Na sequência do inquérito acerca do Sínodo, Teresa Toldy reagiu à notícia publicada pelo 7MARGENS. Aqui fica o seu texto, depois do comentário do franciscano capuchinho Fernando Ventura.

“Quando chegará o tempo de levar o Papa Francisco a sério? É que Francisco sente que faz parte deste Povo, embora pareça que muitos eclesiásticos ainda não o perceberam.” Foto ©Vatican Media 2021
Foi com choque e tristeza que li no 7MARGENS que “a quase totalidade das dioceses portuguesas decidiu divulgar apenas as sínteses diocesanas do processo sinodal em curso na Igreja Católica”. Diz ainda a notícia que “os contributos recebidos de paróquias, grupos, movimentos, comunidades religiosas ou pessoas individuais” não serão divulgados. Apesar de, por exemplo, na diocese de Aveiro se dizer que “o documento com a síntese diocesana será (…) o documento base para programar o próximo ano pastoral”, a diocese da Guarda afirma que “poderia ser falta de respeito o seu uso [dos contributos de grupos] sem consentimento dos mesmos intervenientes)”, pelo que “estes relatórios serão arquivados na Cúria diocesana”. O objetivo destas reflexões é que elas se difundam, que se pense em conjunto, não que processos sãos, participados, salutares, eclesiais, sejam arquivados.
A minha primeira reação foi pensar nos inúmeros grupos que se mobilizaram quanto puderam, com a esperança de que as suas reflexões contribuíssem para que a Igreja seja mais fiel a Jesus Cristo e mais próxima, mais encarnada no mundo, em suma: por amor à mensagem de Jesus, à Igreja e ao mundo. Como é possível que as suas expectativas sejam defraudadas? Como é possível que sejam tomadas decisões de não partilhar os documentos elaborados? Como há-de a Igreja apelar à participação dos seus membros quando se criam processos que, depois, não são levados por diante?
Lembrei-me de um bispo que, antes de partir para Roma, para participar no Concílio Vaticano II, comentou que aquilo ia demorar pouco: era praticamente assinarem o que já estava feito. Enganou-se redondamente: os documentos preparados foram todos rejeitados e o processo de reflexão foi sério, demorou anos – não era mais uma burocracia ou algo para não levar muito a sério. Não é certamente um processo burocrático que o Papa Francisco quer.
A maior infelicidade é essa: pensar que há pastores que acham que são mais importantes do que as ovelhas e ainda não perceberam que o Papa Francisco deu impulso a um processo, não mandou responder a formulários. Deu um impulso para que a Igreja seja, de facto, Igreja. Aliás, a palavra grega que dá origem à tradução latina “ecclesia” é, precisamente, assembleia. Quando chegará o tempo em que se compreende que a Igreja são todos os seus membros – todos? Quando chegará o tempo de levar o Papa Francisco a sério? É que Francisco sente que faz parte deste Povo, embora pareça que muitos eclesiásticos ainda não o perceberam. É a existência deste Povo que justifica o seu múnus. Não é o contrário. Quando haverá a lucidez e a humildade de compreender a necessidade de levar a sério o Povo de Deus? Até quando se irá tentar arquivar o seu pensamento?
Teresa Toldy é professora universitária de Ética e teóloga; publicou Deus e a Palavra de Deus nas teologias feministas (Ed. Paulinas)