
A Real e Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra “é a mais antiga instituição pública de fiéis católicos do concelho de Mafra, tendo a sua fundação ocorrido em meados do século XVI”, refere o seu juiz, Francisco Simões do Paço (na imagem, à esquerda). Foto © RVISSM.
Muitos poderão pensar que as irmandades são coisa do passado, mas a realização do Fórum Paneuropeu de Irmandades, cuja quarta edição decorrerá em Portugal, mais propriamente no Palácio-Convento de Mafra, nos próximos dias 16 e 17, vem mostrar que estas instituições estão vivas e que o seu papel continua a ser muito significativo nos dias de hoje. A Real e Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra é exemplo disso, e está prestes a viver “um momento histórico”: a coroação pontifícia da imagem de Nossa Senhora da Soledade, datada de 1774, por si custodiada.
Os números impressionam qualquer um: de acordo com o Censo das Irmandades Europeias iniciado em 2020 (aquando da realização da primeira edição do Fórum), e que está ainda em curso: existem pelo menos 27 mil destas entidades ativas no nosso continente, as quais contam com cerca de seis milhões de membros.
“Haveria certamente mais irmandades em 1900, mas depois de um declínio na segunda metade do século XX, o nascimento de novas irmandades e o renascimento de antigas, compensa agora os encerramentos que existiram”, explicam Umberto Angeloni e Francesco Antonetti, membros do comité coordenador do Fórum, em declarações ao 7MARGENS.
Os dois responsáveis estiveram envolvidos na organização das três edições anteriores do Fórum Paneuropeu (no ano 2020 em Lugano, Suíça, em Málaga, Espanha, em 2021, e no ano passado em Nice, França) e não têm dúvidas: o papel das irmandades – que já existem na Europa desde o século VIII – continua a ser determinante, quer “do ponto de vista social, pois as suas obras de misericórdia são tão necessárias como sempre”, quer “do ponto de vista religioso, pois são o principal instrumento de transmissão da fé entre as gerações, principalmente através das formas de piedade popular”, afirmam, acrescentando: “Representam as ‘raízes vivas’ da nossa tradição e civilização europeias”.
Nesta edição do Fórum, “o tema principal será a definição de uma agenda de eventos públicos em Roma durante o Jubileu de 2025”, sendo que o Papa “destinou três dias inteiros exclusivamente às irmandades (de 16 a 18 de maio de 2025)” e o bispo Rino Fisichella [pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização] “espera que irmãos e irmãs de todo o mundo estejam presentes e dêem testemunho vivo”, adiantam Umberto Angeloni e Francesco Antonetti,
A Irmandade de Mafra, que custodia uma imagem muito especial
Francisco Simões do Paço, juiz da Real e Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra, já esteve em Nice e espera poder estar presente em Roma, daqui a dois anos. Por agora, prepara-se para acolher, naquela que considera ser a sua casa, os delegados das federações de vários países que marcarão presença neste IV Fórum Paneuropeu: França, Itália, Polónia, Malta, Inglaterra, Espanha e Suíça, sem esquecer os participantes vindos das mais diversas regiões de Portugal.

Aos 68 anos, Francisco Simões do Paço é o membro mais antigo desta Irmandade. Foi inscrito pelo tio, também ele então juiz, já lá vão 55 anos, e é com indisfarçável orgulho que conta ao 7MARGENS que esta “é a mais antiga instituição pública de fiéis católicos do concelho de Mafra, tendo a sua fundação ocorrido em meados do século XVI”.
É possível que seja também a mais numerosa: com 400 elementos inscritos (o mais jovem com 16 aos e o mais velho com 97), “é a herdeira histórica das grandes irmandades fundadas em Mafra durante o reinado de D. João V”, monarca que ali mandou construir o palácio-convento que é hoje reconhecido como Património Mundial pela UNESCO.
Assim se justifica “o grande espólio que custodiamos, e que continua a exercer as suas funções catequéticas nas procissões e demais atos de culto promovidos na Real Basílica de Mafra”, destaca o juiz da Irmandade.

É o caso da imagem de Nossa Senhora da Soledade, venerada na Basílica e datada de 1774, que receberá, no final do Fórum, a coroação pontifícia. Esta será a terceira Imagem em Portugal a receber a honra de ser coroada em nome e com a autoridade do Papa, depois da imagem de Nossa Senhora do Sameiro (Braga), em 1904, e da escultura de Nossa Senhora de Fátima que se encontra na Capelinha das Aparições, em 1946.
A concessão é vista como “um reconhecimento da devoção à Santíssima Virgem presente na veneranda imagem da Soledade da Basílica de Mafra, procurando estender a importância deste título mariano e o seu culto a todo o mundo católico”.
Mas porque é esta imagem tão especial? “A sua encomenda está envolta em mistério, pois existem pagamentos dos materiais para a sua execução, porém não há o mínimo vestígio do escultor”, explica Francisco Simões do Paço. “Foi alvo de devoção da Família Real, e até há poucos anos, só era exposta nos dias das procissões, até ao momento em que se descobriu dentro de um dos mantos do enxoval de Nossa Senhora uma série de preces, feitas por mulheres não identificadas, que despertaram o interesse e a devoção a Nossa Senhora da Soledade”, assinala. Atualmente,.encontra-se exposta ao culto durante todo o ano, na Basílica de Mafra, que se tornou “um dos santuários marianos mais visitados de Portugal”.
Simões do Paço recorda, por isso, o “júbilo” e a “enorme gratidão” com que recebeu a notícia de que o Papa Francisco iria conceder “a mais extraordinária graça pontifícia alguma vez alcançada em Mafra” e espera que esta desperte “o incremento da devoção a Nossa Senhora, Rainha de Portugal”.
A imagem “ganhará” agora uma coroa, da autoria do artista Santiago Rodrigues Lopes, que se inspirou nos modelos de coroas atribuídos a João Frederico Ludovice, arquiteto do Palácio-Convento de Mafra. Incluindo nas cartelas representações das invocações simbólicas de Nossa Senhora que surgem representadas no exterior do zimbório da Basílica de Mafra, a coroa é rematada com um orbe em lápis-lazúli, oferta de um cristão arménio ortodoxo de Alepo, e por uma cruz que reproduz o modelo da coroa real portuguesa.
A coroa, manufaturada pelo ourives espanhol Manuel Valera Pérez, “será uma das mais notáveis peças de ourivesaria sacra produzida para Portugal nos últimos anos”, e já foi benzida pelo Papa Francisco, na capela da Nunciatura Apostólica em Lisboa, no passado dia 4 de agosto, no decorrer da Jornada Mundial da Juventude. Todo o ouro e prata utilizados na sua manufatura foram oferecidos propositadamente para o efeito por fiéis e visitantes da Basílica de Mafra.

“Um momento histórico” e o pedido do Papa
Os preparativos para as cerimónias, que serão presididas pelo cardeal Tolentino Mendonça – designado pelo Papa como seu enviado especial – “têm sido muito intensos”, partilha o responsável máximo da Irmandade. Mas, acima de tudo, têm sido “uma excelente oportunidade para reforçar os laços e a cooperação entre as diversas instituições civis, e a relação com a Igreja, e muito particularmente com a Irmandade”, destaca. “Os diversos grupos paroquiais têm colaborado na organização de todas as cerimónias, requerendo a presença de elementos de outras paróquias, promovendo deste modo as boas relações entre os cristãos”.
Este é, de resto, mais um sinal de como “as irmandades são um ponto fulcral na vida da Igreja”, afirma Francisco Simões do Paço. “Ontem como hoje, são um ponto fundamental da atuação dos leigos, onde se ultrapassa o binómio clérigos/leigos, pois entre os membros da Irmandade temos leigos e clérigos, todos com obrigações semelhantes, e sem distinção alguma”, acrescenta.
“A missão essencial das irmandades é promover a evangelização do povo, de forma eficaz e sinodal, com igualdade entre homens e mulheres, circunstância que se verifica de forma clara nos documentos históricos que temos em arquivo”, assinala ainda o responsável.
E, convicto de que este será “um momento histórico” para Mafra e Portugal, convida todos os fiéis a participar nas cerimónias marcadas para o próximo sábado e domingo. “Destaco as vésperas solenes [sábado, às 18h45], que serão tocadas a seis órgãos, coro, carrilhão e Fanfarra do Exército” e “o momento da coroação em si [domingo, às 11 horas] , facto que não é visto em Portugal desde 1946, e é uma ocasião única para revisitar a Basílica de Mafra, podendo admirar os bens culturais que por motivos de conservação nem sempre podem ser expostos”, assinala.
Uma das provas da importância do momento é “o facto do nosso querido Papa Francisco ter dirigido uma mensagem especialmente dedicada aos participantes do Fórum” e a todas as pessoas que participarem na missa para a coroação pontifícia no dia 17 de Setembro, acrescenta Francisco Simões do Paço.
A mensagem, a cuja versão em português o 7MARGENS teve acesso em primeira mão, refere a “tão grande ocasião”. que é a coroação da “bela imagem da Bem-Aventurada Virgem Maria da Soledade” e exorta todos os que participem nas cerimónias a que, “pelo misterioso dom da piedade divina, adiram mais intimamente a Cristo e se associem à sua paixão, e estejam ao serviço fiel do mistério da redenção, seguindo o admirável testemunho de caridade maternal da Santíssima Virgem Maria da Soledade”.
“Que essa comunidade de fiéis, ao celebrar este momento de alegria com vivo afeto, manifeste na conduta o que guarda na memória”, termina o Papa Francisco.