
Embora Ratzinger tenha ordenado a destruição das suas notas pessoais, autorizou a publicação dos textos teológicos que produziu após a renúncia, em 2013.
“Este volume, que reúne os textos que eu escrevi no mosteiro Mater Ecclesiae, deve ser publicado após a minha morte”. As palavras são de Bento XVI e surgem no prefácio do livro que contém o seu “trabalho final”, o qual chega esta sexta-feira, 19 de janeiro, às livrarias italianas. Intitulado “O que é o Cristianismo. Quase um testamento espiritual”, o volume reúne 16 textos, cinco deles inéditos no todo ou em parte, onde se destaca a reflexão sobre o diálogo islâmico-cristão e a preocupação com “a crescente intolerância” ao cristianismo nas sociedades contemporâneas.
Esta preocupação sobressai particularmente no texto “Monoteísmo e Tolerância”, em que o Papa emérito afirma haver um “abandono da antropologia cristã e do estilo de vida que deriva dele, considerando-o pré-racional”. Bento XVI alerta que, apesar de “a intolerância desta aparente modernidade contra a fé cristã” ainda não se ter transformado em “perseguição aberta”, ela “apresenta-se de forma cada vez mais autoritária, tentando alcançar, com a legislação que dela deriva, a extinção do que é essencialmente cristão”.
Para Bento, não restam dúvidas: “O Estado moderno do mundo ocidental considera-se em parte uma grande potência de tolerância, rompendo com as tradições sem sentido e pré-racionais de todas as religiões”, e “por causa da sua manipulação radical dos homens e da alteração dos sexos por meio da ideologia de género, opõe-se especialmente ao cristianismo”.
Baseando a sua reflexão em várias passagens do Antigo testamento, Bento XVI critica duramente esta “crescente intolerância exercida precisamente em nome da tolerância”. O pensamento moderno, conclui, “já não quer reconhecer a verdade do ser, mas quer assumir poder sobre o ser. Quer remodelar o mundo de acordo com as suas necessidades e desejos”.
Confirma-se autoria de reflexão sobre celibato partilhada com Sarah

O cardeal Sarah com Ratzinger: um dos textos incluídos no novo livro já tinha sido publicado num livro cuja autoria seria partilhada por ambos. Foto: Unisinos/Direitos reservados
Embora Ratzinger tenha ordenado a destruição das suas notas pessoais, autorizou a publicação dos textos teológicos que produziu após a renúncia, em 2013. A maior parte dos que estão presentes neste livro (ensaios, cartas e artigos) foi escrita por volta do ano de 2018.
Vários eram já conhecidos e surgem com algumas adaptações: é o caso de um texto sobre o sacerdócio, que provocou polémica no início de 2020 [ver 7MARGENS] ao surgir num livro cuja autoria seria partilhada entre o cardeal guineense Robert Sarah e Joseph Ratzinger e no qual estes afirmavam que o celibato é “indispensável para que o nosso caminho na direção de Deus permaneça o fundamento da nossa vida”.
Na altura, o jornal espanhol ABC noticiou que o Papa emérito poderia ter sido vítima de uma “grave manipulação” e não ter tido, na realidade, qualquer participação na obra. O secretário particular de Bento XVI informou então que o Papa emérito não tinha autorizado que o seu nome aparecesse como coautor do livro “Das profundezas dos nossos corações”, tendo apenas enviado ao cardeal Sarah “um pequeno texto seu sobre o sacerdócio” para que ele usasse como quisesse. Como nota o jornal La Croix, a inclusão deste texto no novo livro “indica claramente que o papa emérito assume responsabilidade por essa reflexão”.
Depois de desenvolver vários aspetos teológicos sobre o significado da Eucaristia e o papel do padre, Bento conclui que o sacerdócio anda de mãos dadas com a “abstinência ontológica” e que “a capacidade de renunciar ao matrimónio para estar totalmente à disposição do Senhor se tornou um critério para o ministério sacerdotal”.