
O conselho permanente da Conferência Episcopal Portuguesa no primeiro comentário ao relatório: muitas tarefas à espera dos bispos, Foto © Ecclesia/MC.
A Comissão Independente que estudou os abusos sexuais de crianças na Igreja Católica tem ainda pendente uma tarefa importante: elaborar a lista dos mais de cem abusadores ainda vivos, incluindo as mais de duas dezenas que se encontram no ativo.
Com o relatório publicado, ficam agora sobre a mesa desafios de monta, que a opinião pública, na Igreja e na sociedade, não vai deixar de escrutinar e seguir de perto.
Não se espera que os bispos portugueses sejam uma espécie de testamenteiros fiéis da Comissão que criou e agora se extingue. Mas não podem, nas suas grandes linhas, virar as costas às recomendações e mesmo medidas concretas apresentadas. Isso desacreditaria de forma irremediável a Igreja.
Quando se juntarem no dia 3 de março, numa assembleia expressamente convocada para analisar e tomar decisões sobre o relatório agora divulgado, é improvável que os bispos leiam o documento e o seu alcance e exigências do mesmo modo. Mas, no discernimento a fazer, terão diante de si decisões históricas a tomar. Quaisquer que elas sejam, condicionarão a vida e a ação da Igreja Católica em Portugal por muitos anos.
Na dúzia de páginas pelas quais se estendem as recomendações de um estudo de perto de meio milhar de páginas, há medidas que deveriam ser colocadas num horizonte de curto prazo. Várias delas são mesmo prioritárias e até urgentes, como seja, por exemplo, a existência de agressores que se mantêm nos seus postos, podendo continuar a constituir uma ameaça para a vida dos mais pequenos. Outras, ainda que precisem de ser consideradas desde já, podem ser retomadas num segundo momento, um pouco mais adiante.
Para ajudar a ter uma visão de conjunto, sintetizámo-las e organizámo-las. As explicitações e fundamentações requerem a leitura do relatório final (pp. 448 a 461). A que sugere o incentivo a uma leitura atenta deste “evangelho do sofrimento humano”, nas diferentes instâncias da Igreja é, naturalmente, da nossa autoria. Noutros pontos, procedemos à formulação de propostas no espírito das recomendações da Comissão Independente.
Em tempo de sínodo, e em dias e meses em que a cruz da Jornada Mundial da Juventude percorre as dioceses do país, talvez se encontre um bom motivo para a Igreja deixar de “bater com a mão no peito dos outros”, como dizia o antigo bispo do Porto, António Ferreira Gomes, e se penitencie e arrepie caminho, olhando para si própria e para aquilo em que tem de mudar radicalmente.
Não há meio termo, quando se trata de abusos. Quando se fere a alma e se destrói a vida de uma pessoa, não há meio termo. Assim também, para reparar o mal feito e criar comunidades acolhedoras e seguras, não pode haver meio termo.
A Igreja, felizmente, tem múltiplos campos em que dá testemunho do Evangelho. Mas esse testemunho não é alibi para menosprezar a vida de tantas pessoas que foram violentadas. Fica a seguir a lista dos trabalhos de casa, registados a partir das próprias recomendações da Comissão, mas aqui sintetizados e organizados, como dito acima.
- Repensar o papel das comissões diocesanas sobre abusos, orientando-as sobretudo para um trabalho na prevenção primária, incluindo a formação;
- Disponibilizar a nova Comissão Independente para participar num “estudo representativo da população portuguesa sobre o problema geral do abuso sexual”;
- Elaborar instrumentos de apoio sobre o sentido e implicações teológicas e pastorais de colocar as pessoas sobreviventes de abusos como critério e centro das atenções;
- Examinar os problemas suscitados pela Comissão no que respeita a disposições do Código do Direito Canónico, sensibilizando para eles a Cúria Romana;
- Definir ações regulares de formação e sensibilização para os direitos humanos na Igreja e na sociedade, incluindo explicitamente os abusos de poder e sexuais;
- Disponibilizar-se para participar em iniciativas transversais à sociedade, para proteger as crianças e promover os seus direitos quanto à violência sexual;
- Traduzir em ações concretas o lema “tolerância zero” aos abusos sexuais de crianças por membros da Igreja, nos planos de ação das instituições e órgãos;
- Elaboração de um guia de boas práticas para abordagem e exposição pública de pessoas vítimas e abusadores, por parte dos meios de comunicação.
- Definir orientações tendentes a promover atitudes e práticas que promovam a transparência e recusem a ocultação ou o encobrimento dos factos.
- Assumir de forma clara e transparente as medidas propostas pela Comissão no que respeita à prevenção dos abusos sexuais na Igreja.
- Assumir de forma clara e transparente as indicações da Comissão respeitantes às questões da formação, nomeadamente no campo da sexualidade e dos abusos.
- Participar proactivamente em iniciativas e programas que venham a ser desenvolvidos na sociedade portuguesa para enfrentar o problema dos abusos sexuais em diferentes contextos.