
Três dos elementos do grupo de activistas, com Juliette Binoche ao centro, num dos momentos de intervenção do Papa. Foto: Direitos reservados
“Antes eu não entendia nada” sobre ecologia, mas depois houve um “caminho de conversão ecológica” pessoal, disse o Papa Francisco a um grupo de 15 personalidades francesas, católicos e não crentes empenhadas na causa ambientalista, às quais encorajou a que continuassem a lutar e não perder a esperança, mesmo quando a condição do planeta pode parecer “catastrófica”.
No grupo, entre outras pessoas, estavam a actriz Juliette Binoche, o presidente do episcopado francês Éric de Moulins-Beaufort, um ciclista convicto e bispo de Reims, e a economista Elena Lasida, autora de O Sentido do Outro (ed. Paulinas) que já fez algumas conferências em Portugal. O grupo foi dinamizado a partir da assembleia plenária da Conferência Episcopal Francesa, do último Outono, dedicada a temas ambientais.
Francisco contou que, enquanto arcebispo de Buenos Aires, participou em 2007 na assembleia do episcopado latino-americano (foi um dos redactores do documento final). E na comissão de redacção havia muitas propostas sobre a Amazónia: “Eu dizia: ‘Estes brasileiros, como são cansativos com a Amazónia! Isso foi em 2007. Depois, em 2015, saiu a [encíclica] Laudato Si’. Fiz uma viagem de conversão para compreender o problema ecológico. Antes eu não entendia nada”, acrescentou diante do grupo, citado pelo jornal francês Le Figaro. “Temos de trabalhar para que todos nós sigamos este caminho de conversão ecológica.”
“O Papa fez-nos viver um muito belo momento de comunhão, partilhando connosco de uma forma muito pessoal o seu processo de conversão ecológica”, testemunhou Elena Lasida ao 7MARGENS depois do encontro, que decorreu quinta-feira, no Vaticano. E lembrou ainda que é preciso “construir a casa comum em termos de harmonia, utilizando uma linguagem tripla, da cabeça, do coração e das mãos”.
“Laudato Si’, uma lufada de ar fresco”
A Amazónia acabou por estar presente não só no texto da Laudato Si’ e na forma de abordagem que a encíclica faz do “cuidado da casa comum” e à “ecologia integral”, como também na convocação do sínodo dos bispos dedicado à evangelização daquela região do mundo, que decorreu em Roma há um ano.
Em Janeiro de 2018, numa viagem à América Latina, o Papa esteve em Puerto Maldonado, uma aldeia da Amazónia peruana, para onde tinham convergido milhares de indígenas, incluindo também do Brasil e da Bolívia. “Descobri a sabedoria do ‘bem viver’ dos povos indígenas”, que consiste em “viver em harmonia com a criação”, disse ele ao grupo, acrescentando que esta sabedoria se perdeu muitas vezes na sociedade actual.
“Compreendemos até que ponto estamos ligados uns aos outros, inseridos num mundo cujo futuro partilhamos, e que maltratá-lo não pode deixar de trazer graves consequências, não só ambientais, mas também sociais e humanas”, disse o pontífice aos seus convidados.
Durante o encontro, Juliette Binoche, protagonista de filmes como Azul ou Cópia Certificada, ofereceu ao Papa vasos com artemísia (absinto chinês), “uma planta muito promissora para prevenir e tratar a malária”, como disse a artista, citada por Le Figaro. “Não sou católica, também teria dito ‘sim’ a um grupo que fosse ao encontro do Dalai Lama, porque as consciências universais têm influência no alerta das pessoas para a emergência climática a um nível universal. Precisamos de criar pontes interiores entre os diferentes mundos. Tudo será então possível porque a ecologia começa quando se faz as pazes com o próximo.”
Quando saíra de Nice, a actriz dissera ao jornal que ia ver o Papa “num espírito de abertura e sem ideias preconcebidas” para lhe dizer tudo o que o grupo está a fazer “e para ouvir o que ele quer dizer sobre ecologia”. E acrescentava: “Vejo isto como um momento de partilha. Li a encíclica Laudato Si’ sobre ecologia e foi uma lufada de ar fresco para mim.”
Em 2018, Binoche escrevera uma carta apelando aos políticos que actuem decisiva e rapidamente no combate às alterações climáticas. Já este ano, durante a quarentena, subscreveu um outro texto conjunto no Le Monde, no sentido de fazer uma reforma profunda da economia.
“Profetas da ecologia”

No encontro, o Papa acrescentou que a Igreja Católica “quer agir concretamente onde for possível, e quer sobretudo moldar as consciências com o objectivo de favorecer uma conversão ecológica profunda e duradoura” para responder aos desafios que o planeta enfrenta”. E mesmo perante condições que podem parecer catastróficas não se deve perder a esperança.
Um cristão “não pode deixar de respeitar o trabalho que o Pai lhe confiou, como um jardim para cultivar”, disse ainda o Papa, citado pelo Crux. As pessoas “têm o direito de usar a natureza para os seus próprios fins, só não podem de forma alguma considerar-se suas proprietárias ou déspotas”, acrescentou.
No passado dia 1, na sua mensagem para o Dia de Oração pela Criação, o Papa insistia em vários destes temas e pedia que, como preparação da próxima Cimeira Climática em Glasgow (Reino Unido) cada país adopte “objectivos nacionais mais ambiciosos” para reduzir as emissões poluentes.
O grupo incluía ainda, entre outros, Audrey Pulvar, vice-presidente da câmara de Paris, responsável pela agricultura e alimentação, Valérie Cabanes, advogada internacionalista, que tem lutado pelo reconhecimento do crime de ecocídio, Maxime e Elena de Rostolan agricultores e fundadores da associação Fermes d’avenir, o jesuíta Gaël Giraud e Pablo Servigne, investigador e autor do livro Como tudo está a colapsar
Servigne dizia também, a propósito do encontro: “Vim no espírito da Laudato Si’, um texto notável, e num espírito de diálogo para sair das nossas divisões e dos nossos rótulos. A Igreja Católica não é a única religião neste campo da ecologia, mas tem influência. Sou meio colombiano e estou particularmente impressionado com a ligação que Francisco foi capaz de tecer com os povos indígenas da Amazónia que devem ser protegidos.”
“Muitos [do grupo] estão longe da Igreja, mas todos são profetas da ecologia”, afirmava Raphaël Cornu-Thénard, dinamizador da iniciativa, juntamente com o bispo de Reims. “Juntamente com o Papa, queremos lançar um processo construtivo para ver, apesar das nossas diferenças, como podemos lutar juntos para mudar o planeta. Procuramos precisamente construir pontes entre a Igreja e as pessoas que se reconhecem na encíclica Laudato Si’.