Homenagem no Curtas

Cinemateca edita DVD com filmes de António Campos, um cinema sem rugas

| 18 Jul 2022

Imagem do filme Vilarinho das Furnas, de António Campos

Imagem do filme Vilarinho das Furnas, de António Campos

 

O Curtas de Vila do Conde terminou, mas ficaram os ecos e as recordações dos filmes vistos pela primeira vez, outros revistos e sem que o tempo tenha ofuscado ou deixado cair no esquecimento. É o caso da filmografia de António Campos. “O tempo é implacável, mas o cinema de António Campos resiste sem uma ruga”, reconheceu José Manuel Costa, director da Cinemateca Portuguesa/Museu do Cinema que, juntamente, com Catarina Alves Costa, cineasta e antropóloga estiveram em Vila do Conde a apresentar e discutir a obra do cineasta, autor de uma filmografia invejável: cerca de 40 títulos e 10 nunca realizados, um dos quais sobre o escritor Mário Cláudio.

Além dos diferentes filmes selecionados nas diferentes competições da 30ª edição do Festival, uma boa parte da programação não esteve diante dos holofotes e, em Cinema Revisitado (sala 2) foram vistos de rajada uma série incrível de filmes, registos marcados por um tempo e memória, onde a arte de filmar não tinha rigorosamente nada a ver com o cinema de hoje. Refiro-me ao lote de filmes dedicado ao cineasta António Campos, um dos nomes mais influentes do cinema português, esquecido, marginalizado, alheio a modas. Os estudiosos dizem que filmou entre o “documentarismo” e o “cinema etnográfico”. No texto que acompanha o programa, Paulo Cunha chamou-lhe “precursor da antropologia visual em Portugal”. Talvez tenha razão e seja uma definição acertada.

Considerações à parte, a programação dedicada a António Campos surgiu numa altura especial: em primeiro lugar, devido ao centenário do seu nascimento, pretexto óbvio para a justíssima homenagem do Curtas ao autor de Vilarinho das Furnas, mas também oportunidade rara de visualização de algumas obras marcantes da sua vasta e extensa filmografia, muitas delas feitas em condições muito difíceis, parcos recursos, incompreensões, tensões e muita teimosia. Outra novidade a reter: como o cinema de António Campos é “genuíno e visceral” e possui grande fulgor criativo, a Cinemateca Portuguesa/Museu do Cinema resolveu editar em DVD e em outros suportes digitais, uma selecção dos filmes mais importantes com o apoio da instituição e financiamento do projecto FILMar.

Assim, foi um privilégio assistir à projecção, em cópias restauradas em 4K, de um lote de filmes notáveis realizados  entre as décadas de 1960 e 70,  como Um Tesoiro (1958) adaptado do conto homónimo de Loureiro Botas; O Senhor (1959); Leiria 1960, Almadraba Atuneira (1961); A Invenção do Amor (1965), um filme de forte lirismo e beleza baseado no livro do poeta cabo-verdiano Daniel Filipe; Gente da Praia da Vieira (1975) apresentado na altura com bastante sucesso e curiosidade no Cineclube do Porto e, por último, Paredes Pintadas da Revolução Portuguesa (1976), porventura o seu filme mais político e panfletário, realizado após a Revolução de Abril.

“É um realizador sui generis e continua a ser desconhecido. Um século depois do seu nascimento, qual é o seu legado no panorama do cinema português?”, perguntou José Manuel Costa. A resposta suscitou outra dúvida de Catarina Alves Costa: “E será que os realizadores portugueses viram a sua obra”?

Conforme foi referido, António Campos veio do cinema amador, fez-se no movimento cineclubista e foi sempre um autodidacta das imagens. Ou seja, ao contrário dos seus colegas de profissão – Fernando Lopes, Paulo Rocha e António de Macedo – nunca andou em escolas de cinema, frequentou estágios no estrangeiro ou recebeu ajudas da Gulbenkian (onde foi funcionário) para subsidiar os seus filmes e, só muito mais tarde, no início dos anos 70, começou a fazer parte do Centro Português de Cinema, naquele tempo fundamental no apoio aos realizadores portugueses e no aparecimento de uma nova corrente de autores, com outra abordagem e estética cinematográfica. “Viveu sempre contra a corrente. Fechou-se no seu mundo, esteve sempre à margem”, reconheceu José Manuel Costa.

Mesmo assim, conseguiu o notável feito de arranjar alguns (poucos) apoios e, muitas vezes com o dinheiro do seu bolso, levou por diante alguns filmes considerados obrigatórios para quem ama e estuda o cinema. São os casos de Vilarinho das Furnas (1971) um filme incrível sobre a vida de uma comunidade impotente para travar a construção da barragem e que acabou por submergir totalmente a aldeia; Falamos de Rio de Onor (1974), Gentes da Praia da Vieira (1975) Histórias Selvagens (1978) e Terra Fria, em 1992, baseado no romance de Ferreira de Castro, fotografia de Acácio de Almeida, prémio no Festival de Cinema de Tróia, em Setembro do mesmo ano.

No importante catálogo editado pela Cinemateca Portuguesa em 2000, vários estudiosos – Benárd da Costa, Maria João  Madeira, Jean-Loup Passek, Paulo Rocha, José Manuel Costa, Joaquim Pais de Brito e Jean Rouch, entre outros – exaltaram as qualidades do cinema de António Campos. “A modernidade da sua técnica narrativa, o seu bom gosto, o sentido cinematográfico das suas ideias e complexidade da sua linguagem simbólica deixaram-me completamente fascinado”, escreveu Henrique Alves Costa na referida publicação, composta por quase 200 páginas de excelentes textos, filmografia, bibliografia, uma entrevista de António Loja Neves e Manuel Costa e Silva, grafismo e ilustrações.

Feitas as contas, António Campos continua a suscitar admiração, aplausos, estudo. Para quem revisitar a sua obra, verificará a força da sua maneira de filmar, a enorme frescura estética e confirmará uma certeza: o seu cinema “resistiu ao tempo sem uma ruga”.

 

Manuel Vitorino é jornalista

 

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