Ex-secretário do patriarca Cirilo em entrevista

“É necessário desmantelar o putinismo como se fez com o nazismo”

| 22 Fev 2023

cyril hovorun, ex-secretário pessoal do patriarca Cirilo, foto MAXYM BRUSNIKA, via WSJ

O “putinismo” consiste num “conjunto de crenças de que a Rússia é uma civilização especial favorecida por Deus”, explica Cyril Hovorun. Foto © Maxym Brusnika, via WSJ.

 

Chama-se Cyril Hovorun, é ucraniano, padre ortodoxo, professor de Teologia, e foi, durante dez anos, secretário do patriarca ortodoxo russo Cirilo. Um ano depois da invasão da Rússia ao seu país, revela que o que mais receia não é Vladimir Putin, mas o que chama de “putinismo”, fortemente suportado na Igreja Ortodoxa Russa. É que “Putin pode ser derrotado com armas, mas o putinismo só com ideias”, afirma, e se não se acabar com ele, o resto da Europa pode estar em perigo.

O “putinismo”, explica em entrevista publicada pelo jornal espanhol La Vanguardia esta terça-feira, 21 de fevereiro, consiste num “conjunto de crenças de que a Rússia é uma civilização especial favorecida por Deus”. Estas crenças “levaram à conclusão de que a Rússia é o país eleito para todo o tipo de violações e violência, o que de facto é demonstrado na Ucrânia”, continua.

De acordo com Hovorun, “Putin tem um problema para explicar esta guerra aos russos e a si próprio em termos racionais”. E como “tal explicação é simplesmente impossível”, ele fica sem outra opção “senão recorrer a explicações metafísicas ou quase religiosas”.

Para isso, defende o professor de Teologia, Putin “necessita da Igreja Ortodoxa Russa”. E nela encontrou um forte aliado: “juntos, o Kremlin e o Patriarcado de Moscovo fabricaram uma mitologia que doutrina a população russa e a faz aprovar a guerra”.

Hovorun lembra que “esta mitologia não é nova” e que pode ser encontrada “nas religiões dualistas do passado, que viam o mundo dividido em partes boas e más. Para Putin, o Ocidente encarna a parte malvada, enquanto a Rússia é a parte boa”.

No seguimento desta teoria, “a Ucrânia está aparentemente ocupada pelas forças do mal do Ocidente e Putin acredita que liberta a Ucrânia destas forças do mal. A maioria dos russos acredita no mesmo”, conclui, assinalando que “os cruzados medievais foram impulsionados por ideias similares. (…) Não contaram as vítimas dos seus esforços de ‘libertação’, como os russos não contam as vítimas da sua agressão, em ambos os lados”.

 

O discurso de Putin, preocupado com a saúde espiritual das crianças russas

vladimir putin durante discurso sobre o estado da nacao, 21 de fevereiro de 2023, foto © Alexey Nikolsky/Russian Presidential Press and Information Office/TASS

“Vejam o que eles [ocidentais] fazem com os seus próprios povos: a destruição das famílias, das identidades culturais e nacionais, a perversão e os maus-tratos de crianças, até a pedofilia são declarados como sendo a norma”, disse Vladimir Putin no seu discurso sobre o estado da nação. Foto © Alexey Nikolsky/Russian Presidential Press and Information Office/TASS.

O discurso de Vladimir Putin no Parlamento de Moscovo, no mesmo dia em que era publicada a entrevista a Hovorun, reforça esta teoria. Na sua alocução anual sobre o estado da nação, o líder russo disferiu fortes críticas ao Ocidente, onde considera ter-se instalado a “decadência.

“Vejam o que eles fazem com os seus próprios povos: a destruição das famílias, das identidades culturais e nacionais, a perversão e os maus-tratos de crianças, até a pedofilia são declarados como sendo a norma (…). E os padres são obrigados a abençoar os casamentos homossexuais”, afirmou.

Repetindo argumentos já antes usados pelo patriarca Cirilo, Putin não hesitou em recorrer à Bíblia para “defender a família tradicional”. “A família é uma união entre um homem e uma mulher” e isso é algo que “aparece nas escrituras sagradas de todas as religiões”, assinalou. Mas “os textos sagrados, atualmente, são questionados” pelo Ocidente, lamentou Putin, revelando uma preocupação particular com a saúde mental e espiritual das crianças russas: “temos que proteger os nossos filhos da degradação e da degeneração, e fá-lo-emos”.

 

Um “casamento de conveniência” e duas pesadas faturas

Putin e o patriarca Cirilo, no Kremlin, em novembro de 2021. Kremlin.ru, CC BY 4.0 , via Wikimedia Commons.

Putin e o patriarca Cirilo, no Kremlin, em novembro de 2021. Foto © Kremlin.ru, via Wikimedia Commons.

 

Cyril Hovorun recorda o momento em que o Papa Francisco apelidou Putin de “acólito de Cirilo” e defende que “do ponto de vista de Cirilo, Putin é que é o seu acólito”. Na opinião do padre ortodoxo ucraniano, Putin e Cirilo não gostam muito um do outro, mas precisam um do outro. Se para o presidente russo a Igreja é “um dos principais provedores da sua legitimidade” e “ajuda a fabricar argumentos de apoio à sua guerra”, para o patriarca Cirilo “Putin é a sua principal fonte de riqueza e prestígio”.

Como consequência deste “casamento de conveniência”, Hovorun prevê duas pesadas faturas. “A Igreja na Rússia já está a ser desacreditada por apoiar a guerra. Mesmo os russos que ainda a apoiam, acreditam cada vez mais que não é função da Igreja dar-lhe suporte. Quando a guerra acabar, haverá um grande fiasco pessoal para o patriarca Cirilo e para a Igreja russa”, vaticina. “Para encontrar por si mesma um novo lugar na nova Rússia, esta Igreja terá que arrepender-se do que fez sob Putin. De qualquer forma, a sociedade russa tornar-se-á ainda mais secularizada”, prevê ainda o ex-secretário do patriarca ortodoxo russo.

Quanto às diversas Igrejas locais independentes que compõem a Igreja Ortodoxa, “apenas algumas delas condenaram explicitamente a agressão russa. Muitas não se atrevem a avaliar a guerra”. Isto significa, para Hovorun, que a guerra dividiu a “Ortodoxia global”, a qual “só pode reconciliar-se depois de condenar unanimemente a guerra e o seu perpetrador: a Rússia de Putin”, avança.

Seja como for, para que haja “uma paz duradoura na Europa”, afirma, “a vitória deveria ser ucraniana e não russa. Se a Rússia sente que ganhou a guerra, continuará a tentar a sua sorte invadindo o Ocidente. A guerra, por isso, estender-se-á ainda mais ao continente europeu como uma gangrena. E toda a gente sabe que não se pode parar uma gangrena a não ser que se remova cirurgicamente”.

Por isso, conclui Hovorun, é indispensável “desmantelar o putinismo, tal como se desmantelou o nazismo na Alemanha depois da morte de Hitler”.

 

Bispos dos EUA instam Congresso a apoiar programa global de luta contra a sida

Financiamento (e vidas) em risco

Bispos dos EUA instam Congresso a apoiar programa global de luta contra a sida novidade

No momento em que se assinala o 35º Dia Mundial de Luta Contra a Sida (esta sexta-feira, 1 de dezembro), desentendimentos entre republicanos e democratas nos Estados Unidos da América ameaçam a manutenção do Plano de Emergência do Presidente para o Alívio da Sida (PEPFAR), que tem sido um dos principais financiadores do combate à propagação do VIH em países com poucos recursos. Alarmados, os bispos norte-americanos apelam aos legisladores que assegurem que este programa – que terá já salvo 25 milhões de vidas – pode continuar.

Para grandes males do Planeta, grandes remédios do Papa

Para grandes males do Planeta, grandes remédios do Papa novidade

Além das “indispensáveis decisões políticas”, o Papa propõe “uma mudança generalizada do estilo de vida irresponsável ligado ao modelo ocidental”, o que teria um impacto significativo a longo prazo. É preciso “mudar os hábitos pessoais, familiares e comunitários”. É necessário escapar a uma vida totalmente capturada pelo imaginário consumista.

Apoie o 7MARGENS e desconte o seu donativo no IRS ou no IRC

Breves

 

“Em cada oportunidade, estás tu”

Ajuda em Ação lança campanha para promover projetos de educação e emprego

“Em cada oportunidade, estás tu” é o mote da nova campanha de Natal da fundação Ajuda em Ação, que apela a que todos os portugueses ofereçam “de presente” uma oportunidade a quem, devido ao seu contexto de vulnerabilidade social, nunca a alcançou. Os donativos recebidos revertem para apoiar os programas de educação, empregabilidade jovem e empreendedorismo feminino da organização.

Não desviemos o olhar da “catástrofe humanitária épica” em Gaza

O apelo de Guterres

Não desviemos o olhar da “catástrofe humanitária épica” em Gaza novidade

A ajuda que as agências da ONU estão a dar aos palestinianos da Faixa de Gaza, perante aquilo que o secretário-geral considera uma “gigantesca catástrofe humanitária”, é manifestamente inadequada, porque insuficiente. A advertência chega de António Guterres, e foi proferida em plena reunião do Conselho de Segurança, que ocorreu esta quarta feira, 29, no tradicional Dia de Solidariedade com o Povo Palestiniano.

“Não deixeis que nada se perca da JMJ”, pediu o Papa aos portugueses

Em audiência no Vaticano

“Não deixeis que nada se perca da JMJ”, pediu o Papa aos portugueses novidade

O Papa não se cansa de agradecer pela Jornada Mundial da Juventude que decorreu em Lisboa no passado mês de agosto, e esta quinta-feira, 30, em que recebeu em audiência uma delegação de portugueses que estiveram envolvidos na sua organização, “obrigado” foi a palavra que mais repetiu. “Obrigado. Obrigado pelo que fizeram. Obrigado por toda esta estrutura que vocês ofereceram para que a Jornada da Juventude fosse o que foi”, afirmou. Mas também fez um apelo a todos: “não deixeis que nada se perca daquela JMJ que nasceu, cresceu, floriu e frutificou nas vossas mãos”.

O funeral da mãe do meu amigo

O funeral da mãe do meu amigo novidade

O que dizer a um amigo no enterro da sua mãe? Talvez opte por ignorar as palavras e me fique pelo abraço apertado. Ou talvez o abraço com palavras, sim, porque haveria de escolher um ou outro? Os dois. Não é possível que ainda não tenha sido descoberta a palavra certa para se dizer a um amigo no dia da morte da sua mãe. Qual será? Porque é que todas as palavras parecem estúpidas em dias de funeral? 

Agenda

Fale connosco

Autores

 

Pin It on Pinterest

Share This