Merkel: quando a fé faz a diferença na política

| 20 Out 2021

Embora seja matéria pouco falada, a fé tem sido sempre fundamental na vida e acção política de Angela Merkel. A isso não terá sido alheio o facto de ser filha dum pastor luterano na antiga Alemanha de Leste.

Angela Merkel

Angela Merkel (foto):  “A fé e a religião são o alicerce sobre o qual eu e muitos outros contemplamos a sagrada dignidade do ser humano. Nós vemo-nos como uma criação de Deus, e isso guia as acções políticas. A fé em Deus facilita-me muitas decisões políticas”. Foto © Aleph / Wikimedia Commons

 

A mulher forte da política alemã dos últimos dezoito anos, Angela Merkel, insere-se numa tradição cristã e numa cultura frugal, em simultâneo, não apenas por ser filha dum pastor protestante mas por ter vivido grande parte da sua vida na parte leste do país durante o regime comunista. Foi certamente a junção destes dois factores juntamente com a especificidade da sua personalidade que fizeram dela aquilo que conhecemos.

Governou a Alemanha e influenciou a Europa durante quatro mandatos consecutivos mantendo sempre uma popularidade assinalável, mesmo em tempos de crise, terminando com uns invejáveis setenta por cento de aprovação e deixando atrás de si uma herança política notável que os seus colegas de partido não conseguiram agarrar. Fechado este período a “chanceler eterna”, como lhe chamaram, conquistou um lugar de destaque na história do continente depois de mais de trinta anos de carreira política.

Angela Merkel preservou sempre com todo o cuidado a sua vida pessoal e privacidade. Por exemplo, nunca convidou um chefe de Estado ou de governo para o seu apartamento em Berlim ou a sua dacha em Brandeburgo.

Cultivou um estilo de vida simples, austero, continuando a morar no mesmo apartamento antes e depois de ir para o Governo, um apartamento normal como qualquer cidadão e comportava-se como uma mulher comum que ia às compras e cozinhava sempre que podia. Nunca cedeu aos luxos, nem sequer tinha uma empregada em casa porque dividia as tarefas domésticas com o marido.

Muita gente reparou que vestia sempre o mesmo modelo de roupa trocando apenas de cor, e muitas dessas peças de vestuário chegaram a passar pela costureira para encolher ou alargar segundo a necessidade. Quando questionada por jornalistas sobre a forma de vestir respondeu que tinha sido eleita para dirigir a Alemanha e não para pisar a passerelle num desfile de moda.

Em termos familiares Merkel manteve sempre contacto regular com a sua mãe, em especial por telefone dada a falta de tempo decorrente das responsabilidades governativas. Deixava sempre com o seu discreto marido, o químico Joachim Sauer, a decisão de a acompanhar ou não nas constantes viagens oficiais, mas as despesas dele nunca foram incluídas nas despesas por conta do Estado.

Merkel é uma mulher crente em Deus: “A fé e a religião são o alicerce sobre o qual eu e muitos outros contemplamos a sagrada dignidade do ser humano. Nós vemo-nos como uma criação de Deus, e isso guia as acções políticas. A fé em Deus facilita-me muitas decisões políticas”. Mas não é sectária. Em 2015, num debate público na Universidade de Berna (Suíça) e questionada sobre o risco de “islamização” da Europa, lembrou que a melhor resposta à situação seria ter “a coragem de ser cristão, sabendo como promover o diálogo [com os muçulmanos], retornar ao culto na igreja e mergulhar novamente na Bíblia”.

A chanceler pensa que a identidade cristã ajudou a moldar os valores europeus e por isso as pessoas deveriam voltar a frequentar os serviços religiosos para adquirir um fundamento bíblico. Em 2017, na celebração dos 500 anos da Reforma Protestante teve ocasião de expressar profundo apreço pela obra de Martinho Lutero, que ajudou a definir a imagem de um ser humano maduro e responsável, desejando que aquelas celebrações incluíssem uma componente de missão, de forma a alcançar os que vivem longe da fé em Jesus.

O testemunho que Merkel deixou ao jornal Süddeutsche Zeitung no 25º aniversário da unificação do país, com eco na imprensa internacional, é inteiramente invulgar nestes tempos que se dividem entre laicismo exacerbado e fundamentalismo religioso: “Sempre procurei fazer as coisas como Deus gosta, porque o temo e porque o sirvo com todos os meus bens e com todo o meu coração, tenho aberto a minha vida e o meu coração a Jesus Cristo e sou cristã não apenas em palavras mas sobretudo nos actos.”

Quando a fé religiosa não é apenas uma bandeira tribal, um sino sem badalo, um estribo na ascensão para o poder ou uma mera estratégia de marketing, pode fazer toda a diferença na vida pública e na política.

 

José Brissos-Lino é director do mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e director da revista teológica Ad Aeternum; texto publicado também na página digital da revista Visão.

 

Igrejas etíopes unem-se em conselho nacional para promover a paz

Decisão histórica

Igrejas etíopes unem-se em conselho nacional para promover a paz novidade

Face à “terrível situação humanitária” na Etiópia, os líderes das três maiores igrejas do país – a Igreja Ortodoxa Etíope Tewahedo, a Igreja Evangélica Etíope Mekane Yesus e a Igreja Católica Etíope – tomaram a decisão histórica de estabelecer um conselho nacional de igrejas. O compromisso foi assumido na semana passada, num encontro que decorreu no Instituto Ecuménico de Bossey (França) e visa reforçar a cooperação ecuménica na resposta às necessidades humanitárias, na promoção da paz e na defesa dos direitos humanos.

Bíblia ou Tradição?

Bíblia ou Tradição? novidade

Desde a Reforma Protestante que o Catolicismo se debate com a questão das fontes da revelação. Por oposição ao Protestantismo, que vê na Bíblia a única e exclusiva fonte da revelação, o Catolicismo sublinha a importância da Tradição para o estabelecimento da revelação divina. A questão, em termos simples, resume-se a saber como é que cada crente pode aceder à Palavra de Deus. (Jorge Paulo)

Apoie o 7MARGENS e desconte o seu donativo no IRS ou no IRC

Breves

 

“Em cada oportunidade, estás tu”

Ajuda em Ação lança campanha para promover projetos de educação e emprego

“Em cada oportunidade, estás tu” é o mote da nova campanha de Natal da fundação Ajuda em Ação, que apela a que todos os portugueses ofereçam “de presente” uma oportunidade a quem, devido ao seu contexto de vulnerabilidade social, nunca a alcançou. Os donativos recebidos revertem para apoiar os programas de educação, empregabilidade jovem e empreendedorismo feminino da organização.

O “caso” frei Bernardo de Vasconcelos: 100 anos da sua vocação monacal e uma carta

O “caso” frei Bernardo de Vasconcelos: 100 anos da sua vocação monacal e uma carta novidade

Vem isto a propósito de uma efeméride que concerne o jovem Frei Bernardo de Vasconcelos (1902-1932), monge poeta a quem os colegas de Coimbra amavam chamar “o Bernardo do Marvão”, nome pelo qual era conhecido nas vestes de bardo, natural de São Romão do Corgo, em Celorico de Basto, Arquidiocese de Braga, que a Igreja declarou Venerável e que, se Deus quiser (e quando quiser), será beatificado e canonizado. (Pe Mário Rui de Oliveira)

Livro de Josué já tem nova tradução

Texto provisório online

Livro de Josué já tem nova tradução novidade

A Comissão da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) que coordena a nova tradução da Bíblia acaba de disponibilizar online a proposta de tradução do Livro de Josué, encontrando-se agora aberta a sugestões e contributos dos leitores, “em ordem ao melhoramento da compreensibilidade do texto”.

KAICIID reúne líderes religiosos e comunitários para promover paz em Cabo Delgado

Encontro em Pemba

KAICIID reúne líderes religiosos e comunitários para promover paz em Cabo Delgado novidade

O Centro Internacional de Diálogo – KAICIID, com sede em Lisboa, dinamizou no final da semana passada um encontro de “sensibilização inter-religiosa” em Pemba (capital da província de Cabo Delgado, Moçambique), no qual reuniu membros das comunidades locais, líderes religiosos e organizações da sociedade civil. Deste encontro saíram compromissos a curto e longo prazo de promoção do “diálogo entre líderes religiosos e decisores políticos como ferramenta de prevenção de conflitos” naquela região.

Agenda

Fale connosco

Autores

 

Pin It on Pinterest

Share This