"solidariedade mediatizada"

“Perdemos a humanidade, malbaratámos a paz”, dirá o Papa no “acto de consagração”

| 24 Mar 2022

Papa Francisco, Fátima,

Mensagem do Papa Francisco para os peregrinos em Fátima, 13 de Maio de 2021. Foto © Santuário de Fátima.

 

“Perdemos a humanidade, malbaratámos a paz.“ Será com estas palavras que o Papa Francisco fará esta tarde, a partir das 16h de Lisboa, o “acto de consagração” da humanidade e em especial da Ucrânia e da Rússia ao Imaculado Coração de Maria. Será numa frase em que invocará de forma especial a protecção maternal da figura da mãe de Jesus: “Hoje esgotámos o vinho da esperança, desvaneceu-se a alegria, diluiu-se a fraternidade. (…) Tornámo-nos capazes de toda a violência e destruição. Temos necessidade urgente da vossa intervenção materna.” A cerimónia será transmitida nos canais vídeo do Santuário de Fátima e do Vaticano.

O acto consiste, afinal, numa oração, que assume um carácter especial. Desde logo por ser presidida pelo Papa no Vaticano, mas também por ser feita em Fátima ao mesmo tempo, numa celebração que será presidida pelo cardeal polaco Konrad Krajewski, esmoler pontifício, que desde o início da guerra já esteve duas vezes na Ucrânia. O carácter simbolicamente importante deste acto completa-se com o facto de Francisco ter convidado todos os bispos do mundo a que fizessem o mesmo acto, com ele, à mesma hora, nas suas dioceses.

“Descuidámos os compromissos assumidos como Comunidade das Nações e estamos a atraiçoar os sonhos de paz dos povos e as esperanças dos jovens”, dirá o Papa, antes de referir várias invocações tradicionais de Maria de Nazaré, acrescentando uma frase a propósito da guerra e pedindo que o mundo seja preservado da “ameaça nuclear”: “Vós, estrela do mar, não nos deixeis naufragar na tempestade da guerra; Vós, arca da nova aliança, inspirai projetos e caminhos de reconciliação; Vós, ‘terra do Céu’, trazei de volta ao mundo a concórdia de Deus (…) Rainha do Rosário, despertai em nós a necessidade de rezar e amar; Rainha da família humana, mostrai aos povos o caminho da fraternidade; Rainha da paz, alcançai a paz para o mundo.”

“Perdemos o caminho da paz. Esquecemos a lição das tragédias do século passado, o sacrifício de milhões de mortos nas guerras mundiais”, dirá ainda o Papa, para fazer também um diagnóstico duro: “Adoecemos de ganância, fechamo-nos em interesses nacionalistas, deixamo-nos ressequir pela indiferença e paralisar pelo egoísmo. Preferimos ignorar Deus, conviver com as nossas falsidades, alimentar a agressividade, suprimir vidas e acumular armas, esquecendo-nos que somos guardiões do nosso próximo e da própria casa comum. Dilaceramos com a guerra o jardim da Terra, ferimos com o pecado o coração do nosso Pai, que nos quer irmãos e irmãs. Tornamo-nos indiferentes a todos e a tudo, exceto a nós mesmos. E, com vergonha, dizemos: perdoai-nos, Senhor!

Irmã Lúcia marca a agenda dos papas
Irmã Lúcia e João Paulo II. Foto © Jornal O Bom Católico, CC BY 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/2.0>, via Wikimedia Commons

Irmã Lúcia e João Paulo II. Foto © Jornal O Bom Católico, CC BY 2.0 <https://creativecommons.org/licenses/by/2.0>, via Wikimedia Commons

 

Mas o que é, afinal, um acto de consagração ao Imaculado Coração de Maria? Esta é uma das múltiplas invocações da figura da mãe de Jesus, na sua dimensão maternal. Mas foi a irmã Lúcia dos Santos, a principal vidente de Fátima, que inspirou já vários actos de consagração – da Rússia e da humanidade – ao Imaculado Coração de Maria.

Nos relatos que fez dos acontecimentos de 1917, Lúcia apenas se refere à necessidade de uma tal consagração a partir de 1929, nas visões que teve quando estava em Tuy (Galiza, Espanha). Para evitar que o mundo vivesse outra calamidade como a da Grande Guerra 1914-18, deveria ser feito esse acto. Essa exigência, acrescentava ela, tinha sido feita em 13 de Julho de 1917, de acordo com o seu relato, nas visões que ela protagonizara, acompanhada pelos primos.

Seguindo as indicações de Lúcia, os bispos portugueses começam por fazer um acto de entrega em 1931 e, depois, de novo em 1938. Mas será o Papa Pio XII a inaugurar em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, o carácter universal do gesto, consagrando o género humano ao Coração de Maria, embora sem mencionar a Rússia. Seria ainda a vidente de Fátima a marcar a agenda dos papas mais três vezes: em 1965, no final do Concílio Vaticano II, Paulo VI preside a idêntico acto com todos os bispos do mundo reunidos em Roma; em 1982, João Paulo II repete o gesto.

O problema é que Lúcia considerava que até aí a consagração não cumprira os requisitos exigidos pela visão. Por isso, em 1984, depois de trocas de cartas entre Lúcia e o Papa polaco, este decide renovar o gesto. Para tal, pediu que fosse enviada para Roma a imagem de Fátima e solicitou aos bispos do mundo inteiro que se juntassem a ele, na mesma ocasião. Só depois desta cerimónia Lúcia considerou que o acto estava completo, mas vários grupos integristas católicos continuam a dizer que o que os sucessivos papas fizeram não cumpriu os pedidos de Nossa Senhora. Lúcia entendia, aliás, que a consagração de 1984 teria sido um acto antecipatório da queda do regime soviético e do comunismo, diz José Rui Teixeira, investigador da Universidade Católica Portuguesa e autor da biografia da Irmã Lúcia no âmbito do seu processo de beatificação e canonização.

“Lúcia viveu muito o drama do ateísmo”, diz ao 7MARGENS José Rui Teixeira. E é nessa perspectiva que o teólogo lê as referências de Lúcia ao comunismo e à Rússia (então, a nação líder da União Soviética, da qual também fez parte a Ucrânia).

José Rui Teixeira considera que, com o acto de hoje, a própria Igreja não escapa à “solidariedade mediatizada”: “Estamos muito afectados pelo âmbito da mediatização do tempo e do espaço e esta guerra atinge-nos de forma mais intensa porque está mais perto de nós do que outras”. Por isso vemos multiplicarem-se iniciativas de pessoas que vão buscar ucranianos ou que se mobilizam para reunir bens para enviar para a Ucrânia. “Isto traduz a mais profunda solidariedade mediatizada e a própria Igreja sente necessidade de entrar nesta lógica e não consegue escapar” a ela.

 

Na cidade onde Jesus nasceu, o Natal foi cancelado

Belém "está de luto e triste"

Na cidade onde Jesus nasceu, o Natal foi cancelado novidade

Não festejar o Natal precisamente na cidade onde – segundo a tradição cristã – nasceu Jesus? O paradoxo é enorme, mas não tão grande como a tristeza e a dor que pairam nas ruas de Belém, na Cisjordânia, e que se revelam nos semblantes dos poucos que as percorrem. “Belém, como qualquer outra cidade palestiniana, está de luto e triste… Não podemos comemorar enquanto estivermos nesta situação”, afirma Hanna Hanania, presidente da câmara cessante.

Deslocados de Cabo Delgado tentam regressar a casa, mas insegurança persiste

ONU denuncia

Deslocados de Cabo Delgado tentam regressar a casa, mas insegurança persiste novidade

Durante 13 dias, a relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os direitos humanos dos deslocados internos, Paula Gaviria Betancur, esteve em Moçambique. De visita à província de Cabo Delgado, observou a enorme vontade das populações deslocadas de voltar para as suas casas, mas verificou também que “persiste a insegurança” e que as comunidades não têm como autossustentar-se.

Apoie o 7MARGENS e desconte o seu donativo no IRS ou no IRC

Breves

 

Para o biénio 2023-2025

Centro de Reflexão Cristã elege direção “comprometida com orientações do Papa Francisco”

O Centro de Reflexão Cristã (CRC) acaba de eleger uma nova direção para o biénio 2023-2025, que se assume comprometida “com os princípios do Concílio Vaticano II e com as orientações do Papa Francisco”. Presidida por Inês Espada Viera (até agora vice-presidente), a direção que agora inicia funções promete “novas iniciativas”, que já estão a ser preparadas.

Em seminário nacional

Ação Católica Rural debateu desafios para o futuro

Perto de cem elementos da Ação Católica Rural, oriundos de 11 dioceses, estiveram reunidos durante o passado fim de semana, em Albergaria-a-Velha, para refletir sobre a missão do movimento nos dias de hoje, a ideologia de género e os desafios colocados pelo Papa, na sequência da Jornada Mundial da Juventude.

Portugueses em risco de pobreza aumentaram para 17%

Dados do INE

Portugueses em risco de pobreza aumentaram para 17% novidade

O número de pessoas em risco de pobreza em Portugal aumentou para 17% em 2022, tendo crescido em todos os grupos etários, mas afetando “mais significativamente” as mulheres e os menores de 18 anos. Os dados constam do mais recente Inquérito às Condições de Vida e Rendimentos (ICOR), relativo aos rendimentos de 2022, divulgado esta segunda-feira, 27, pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

A Bíblia Tinha Mesmo Razão?

Novo livro

A Bíblia Tinha Mesmo Razão?

Abraão e Moisés existiram mesmo ou são apenas personagens de ficção? O Êxodo do Egito aconteceu nos moldes em que é contado na Bíblia? E a conquista da “Terra Prometida” é um facto ou mito? É inevitável que um leitor contemporâneo se pergunte pela historicidade do que lhe é relatado na Bíblia. Um excerto do novo livro de Francisco Martins.

Agenda

Fale connosco

Autores

 

Pin It on Pinterest

Share This