[Quem ri por último ri pior - 3]

Será o riso um “curto-circuito” no nosso cérebro?

| 6 Mar 2023

“Estar atento ao riso mostra-nos o quão estranho e interessante pode ser o fenómeno e o quanto isso nos diz da nossa natureza fascinante, ambígua.” Foto: StockSnap / Pixabay 

 

Estudar o riso enquanto gratificação televisiva despertou em mim uma atenção muito particular para com o fenómeno no quotidiano. O que partilharei de seguida é apenas uma das muitas coisas de que me apercebi, achei interessante e registei numa espécie de “diário de bordo”, que tenho vindo a completar nestes últimos anos. Alguns relatos são recentes, outros nem tanto, mas todos eles de algum modo marcaram-me e, por isso, decidi agora (re)visitá-los com outro olhar. O que partilharei de seguida passou-se, creio, em agosto/setembro de 2011.

Estava na Serra do Gerês (no Norte de Portugal), mais propriamente na Portela do Homem, com alguns amigos e amigas. Pusemos as toalhas de lado, com uma vista privilegiada para a cascata. Sempre colocávamos lá as coisas, pois aquela boa altitude dava acesso a um bom mergulho. Estávamos então a conversar e, a determinada altura, todos nós focamos no mesmo, pois era um “número” arriscado: uma jovem mulher e o seu namorado, de mãos dadas, estavam a tentar atravessar o riacho que antecede a cascata. Tudo parecia correr bem até que, de repente, ela começou a escorregar e, sim, caiu, de forma violenta e desamparada. Quem já esteve lá sabe que a cascata tem como que duas metades, ela caiu na primeira.

Todos ficaram em pânico! Uns gritaram, outros exclamaram coisas soltas como “cuidado”, “meu Deus” e ainda outros, como eu, não fizeram nada, congelaram. Mas, no meio daquele misto de reações, houve uma particularmente assustadora, estranha, inesperada. O namorado dela, contra todas as probabilidades (digo eu), começou a rir, bem alto e, pior ainda, durante uns bons segundos não conseguiu parar de o fazer. Não sei o que se passou dentro da sua cabeça. Mas creio que, por algum motivo, ele apenas enxergou o lado cómico do que acabava de acontecer. Como se estivesse a ver aquilo de forma distante, na televisão ou na internet. Uma das pessoas com quem eu estava, o Samuel, ao assistir a tudo aquilo, prontamente se levantou e foi ao encontro dela. Enquanto ia, fulminava o seu namorado com os olhos; penso que foi aí que ele “acordou”, que parou de rir, que começou a agir. Felizmente, apesar do susto, nada de muito grave aconteceu com ela.

Escusado será dizer que o tema de conversa daquele resto de tarde foi não apenas o acidente, mas, sobretudo, a banda sonora com a qual todos nós fomos surpreendidos. “Louco”, “inconsciente” e “drogado” foram apenas alguns dos nomes que lhe chamaram depois, enquanto saia cabisbaixo amparando a sua namorada. Não me lembro o que à data pensei a esse respeito. Lembro-me, sim, do que Sara, que estava comigo, disse baixinho: “Ele não está bêbado nem drogado, pois não?”. Não posso evidentemente confirmar isso, mas quando agora penso em tudo o que se passou, tenho de admitir, também não acredito que estivesse, até porque, poucos minutos depois, o seu comportamento foi exímio, e fartou-se ainda de pedir desculpa a todos os que lá estavam.

Sigmund Freud alega que o riso é uma espécie de “curto-circuito” de ideias que acontece no nosso cérebro e que culmina numa “descarga livre” de energia no nosso corpo. Energia essa que, digo eu, depois de solta, na maioria das vezes, se não mesmo sempre, não é possível segurar, nem disfarçar. Talvez Freud tenha razão. Talvez não. Mas se porventura tiver, eu já posso dizer que vi um, bastante estranho, bastante particular, de alguém que, por um instante, cruzou mesmos os fios! Porque raio aquele rapaz riu eu não sei, mas, tenho de admitir, pagava para saber…

Estar atento ao riso mostra-nos o quão estranho e interessante pode ser o fenómeno e o quanto isso nos diz da nossa natureza fascinante, ambígua. Será o riso uma imagem visível de um “curto-circuito” não visível? Já duvidei mais disso, tenho de admitir.

Serão assim os melhores humoristas aqueles que melhor conseguem baralhar as nossas ideias, isto é, a nossa usual forma de pensar, a ponto de criar no nosso cérebro um tamanho caos que leva a uma espécie de “curto-circuito”, o qual normalmente chamamos riso? Também não sei… Mas, ainda nesse sentido, Georges Bataille compreende o riso como a vivência de um efémero e prazeroso “não-pensamento” (com algumas semelhanças com aquele que se pode experienciar nas relações sexuais), o que não deixa também de ser curioso, pois vai de algum modo ao encontro da primeira noção partilhada.

Será então o riso apenas “curto-circuito”? Talvez. Talvez não.

 

Abílio Almeida é doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade do Minho e investigador integrado do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da mesma instituição. É autor do livro História do Riso (2022), resultante da sua investigação doutoral.

 

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