Um ano depois, o balanço é terrível: na Ucrânia morreram milhares de pessoas (ucranianas e russas), muitas delas depois de barbaramente torturadas, cidades e aldeias inteiras foram arrasadas, hospitais e creches, escolas, teatros e igrejas bombardeados. Tudo isto por causa da insanidade e da desumanidade de um homem – que, se assim o quisesse, poderia acabar com a guerra neste instante mesmo. Tudo isto também, diga-se, com os cristãos a ficar mal na fotografia: o apoio antievangélico da liderança da Igreja Ortodoxa Russa ao esforço de guerra contradiz em absoluto a mensagem do cristianismo.
Do lado de cá, a posição de ajudar a Ucrânia a defender-se tem levado também a um aumento do esforço e da lógica militar: falando apenas dos Estados Unidos, já foram gastos cerca de 27 mil milhões de euros em ajuda militar ao país invadido, e há promessas de fazer esse valor crescer mais ainda. Se a isto somarmos o dinheiro gasto pela União Europeia e pela OTAN/NATO, e se a tudo isso acrescentarmos todo o dinheiro gasto em todos os conflitos bélicos que grassam no mundo, teremos a dimensão da tragédia em que vivemos, da absurda inversão de valores que aceitamos: na semana passada, a ONU pediu 5,2 mil milhões de dólares para ajuda humanitária para este ano – ou seja, cerca de 20% do dinheiro gasto apenas pelos EUA com o apoio militar à Ucrânia.
Temos solução? A guerra só terminará com uma de duas maneiras: o agressor ou o agredido é arrasado; ou ambos se sentam à mesa da diplomacia e das negociações para resolver o conflito – que, repita-se, foi decidido pelo Presidente russo, que não quis resolver as divergências com a Ucrânia e o Ocidente na mesa de conversa. A única alternativa a estas é a utilização do nuclear, o que constituiria uma tragédia ainda mais inimaginável. Então, se sabemos que a única saída viável será a negociação diplomática, mais vale que ela se concretize mais cedo do que mais tarde. Poupar-se-ão vidas, muitas vidas, e também as casas, os hospitais, as escolas, os teatros, as igrejas e muitos outros bens.
A Ucrânia tem direito (e o dever) a defender-se, repita-se ainda. Mas onde nos levará este caminho insano, no qual crescem ameaças veladas de utilização de armamento nuclear? O caminho que Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia têm escolhido (também através da OTAN) no sentido de dar cada vez mais armamento à Ucrânia é cheio de riscos. Há meses, a voz lúcida de Edgar Morin dizia que “a Europa faz bem em apoiar a resistência ucraniana, em apoiá-la financeiramente e até militarmente”, mas “deveria ao mesmo tempo empenhar-se numa solução de mediação”. E numa lúcida entrevista recente, que merece bem a pena ser lida, o pensador francês, que completa 102 anos em Julho, propõe caminhos de diálogo possível, como “possibilidades de um compromisso, necessário em qualquer guerra em que não haja vencedores nem vencidos”: reconhecer a especificidade da cultura russófona do Donbass ou criar zonas livres e desmilitarizadas no leste da Ucrânia e na Crimeia, por exemplo. Pode acrescentar-se que o facto de o cristianismo russo ter “nascido” em Kyiv, com o baptismo do príncipe Vladimir, pesa também na cultura e na ortodoxia russa, pois para esta o “berço” do cristianismo russo está em Kyiv, na Ucrânia.
É nessa falta de consideração da complexidade e na ausência de propostas claras e assertivas de mediação que a União Europeia e os nossos governos têm falhado. Agora iremos dar tanques à Ucrânia, a seguir daremos caças porque será disso que a defesa do país precisa, e depois… E é precisamente a essa lógica destrutiva e militarista, que apenas convém aos fabricantes de armas (sejam eles russos, norte-americanos ou outros), que é necessário e urgente pôr fim, como têm alertado António Guterres e o Papa Francisco – as únicas vozes que, no meio da tragédia, se têm feito ouvir a pedir diálogo e não morte; fizeram-no esta semana mais uma vez.
Outro dado importante é que os relatos da imprensa internacional asseguram que a opinião pública russa está maioritariamente com Putin e que os efeitos das sanções, ao contrário do que nos prometiam, é muito reduzido. Por isso, só sentando Putin à mesa do diálogo pode fazer-nos sair desta quadratura do círculo. Caberá depois aos russos livrar-se do autocrata e do seu regime corrupto. Só o diálogo e a democracia, percebemo-lo mais uma vez, nos podem salvar da tragédia da guerra.
P.S. – A partir de agora, o 7MARGENS passará a utilizar a grafia ucraniana para designar a capital do país: Kyiv. É um gesto simbólico, mas é um gesto com significado.