
José Cobo Cano, arcebispo de Madrid desde 8 de Julho, nomeado cardeal pelo Papa no dia seguinte, fotografado em Lisboa na sexta-feira, 4 Agosto. Foto © António Marujo/7MARGENS
“Há algo novo que está a surgir e que a comunidade cristã tem de aprender a ler e a escutar”, diz ao 7MARGENS o novo arcebispo de Madrid, José Cobo Cano, que tomou posse a 8 de Julho, um dia antes de o Papa anunciar a sua nomeação como cardeal. “Sim, esta juventude é diferente e isso significa que está a fazer coisas diferentes que é preciso agora ler e escutar.”
Nascido em 20 de Setembro de 1965, em Sabiote (Jaén, a Norte de Granada, na Andaluzia), e formado em Direito, José Cobo decidiu depois ingressar no seminário, tendo sido ordenado padre em 1994. Desempenhou já várias tarefas pastorais, entre as quais as de professor na escola de agentes de pastoral do Centro de Estudos Sociais da Cáritas de Madrid. Bispo desde 2017, foi já responsável pelo Departamento de Pastoral Penitenciária (2018-2021) e, desde 2019, lidera o Departamento de Migrações.
O arcebispo José Cobo esteve em Lisboa a acompanhar os quase 100 mil espanhóis que participaram na Jornada Mundial da Juventude e constituíam a maior delegação. “Temos efectivamente de escutar o que Deus disse através dos jovens, mesmo que às vezes não nos agrade, ou não o entendamos”, diz ainda, nesta entrevista, acrescentando que os jovens “precisam de encontrar na Igreja um rosto amável, que não lhes diga o que têm de pensar, mas lhes faça propostas”. “E creio que o êxito da JMJ, além da alegria do encontro, é dizer: ‘E agora, estes jovens que se reuniram aqui, o que têm a dizer à Igreja?’”

7MARGENS – Espanha trouxe perto de cem mil participantes a esta JMJ… Quem são estes jovens? Certamente, são muito diferentes dos jovens que iam às primeiras Jornadas, há mais de 30 anos…
Sem dúvida, são diferentes até dos jovens que foram à última JMJ! Tivemos uma pandemia. E isso talvez não o tenhamos processado e compreendido bem… A juventude que vem agora é uma juventude totalmente diferente da JMJ anterior. Primeiro, surpreendeu-nos a variedade de jovens, não apenas o número. Vieram a Lisboa jovens de todo o espectro da Igreja, veio uma juventude diferente, com propostas diferentes… É preciso ler isso. E honestamente, não o esperávamos.
E há outro dado: também não esperávamos encontrar esta pluralidade de países. Estão presentes todos os países do mundo, menos as Maldivas, alguns deles onde há uma perseguição religiosa muito forte. E vêm. A mim comoveu-me, na missa de acolhimento ao Papa, ver determinadas bandeiras: Marrocos, países perseguidos de África, China… Comove.
7M – Como lê esses dados?
Há algo novo que está a surgir, e que a comunidade cristã tem de aprender a ler e a escutar. Sim, esta juventude é diferente e isso significa que está a fazer coisas diferentes que é preciso agora ler e escutar.
Além da pluralidade de jovens, grande parte deles está “em busca”. A JMJ de repente torna-se num convite para muitas pessoas que estão à procura, e o Papa soube intuir isso, como vimos nos seus discursos, dizendo que a Igreja é uma porta aberta também para muitas pessoas que estão à procura. Temos muitos jovens que andam ansiosos – e essa é também uma diferença em relação às Jornadas anteriores –, à espera de que a Igreja lhes diga algo, e que lhes dê alguma orientação. Estão em busca de espiritualidade, cansados de muitas coisas, cansados talvez também de que os manipulem. E o que precisam de encontrar na Igreja é um rosto amável, que não lhes diga o que têm de pensar, mas lhes faça propostas.
7M – E que diferenças encontra entre as Jornadas anteriores e Lisboa?
Estive na JMJ de Colónia, em 2005, e na de Madrid, em 2011, claro! [risos] Depois, naquelas Jornadas que foram fora da Europa, como a maior parte das pessoas não tinha capacidade financeira para ir, cheguei a organizar, com as minhas paróquias, uma espécie de “jornadas locais”, com atividades e ecrãs gigantes para assistirmos aos eventos centrais. Esta é a minha primeira jornada como bispo e sinto que fez uma grande adaptação relativamente à mensagem, desde logo por causa da mensagem do próprio Papa – que marca muito o encontro – e que se está realmente a adaptar a estes jovens, apesar de haver pessoas a quem isso não agrada. E também nas catequeses, que deixaram de ser palavras que se lançam e os jovens escutam, e passaram a ser ao contrário: os bispos escutam o que os jovens têm a dizer.
7M – Este novo modelo funciona?
Pelo menos nas catequeses em que eu estive, sim. Noutras JMJ em que estive, os jovens iam à catequese às nove da manhã, cheios de sono, e depois havia um bispo lá longe que falava, falava, falava… Nestas catequeses, tentou-se, primeiro, que haja animação e que os jovens falem… É divertido e muito interessante. Por exemplo, eu estive numa catequese, na Igreja do Castelo de São Jorge, em que os jovens que iam participar eram espanhóis, e para lá chegar tinham de subir toda a colina. Vinham cansados, estafados… Mas depois quem fazia a animação era um grupo de cubanos e de repente aquilo transformou-se numa festa! E realmente, a seguir, pusemos os jovens a falar uns com os outros, em grupos, e depois a colocar perguntas aos bispos.
A mim perguntaram-me, por exemplo, “Como encarar a morte?” Uma pergunta bem difícil! E creio que isso é muito importante nesta JMJ, que não está pré-determinada, nem pré-cozinhada, está aberta à escuta. Vamos escutar e ver que realidade escutamos. A JMJ não está a ser uma pastoral de eventos, está preparada para que a seguir as dioceses possam dar-lhe seguimento. Porque foram lançadas muita perguntas que seria uma insensatez por parte da Igreja que não as escutasse.

7M – Isso aconteceu em Espanha? Houve avanços na sequência da JMJ Madrid 2011?
Eu disse ao [bispo] Américo [Aguiar] que, em Espanha, aprendemos uma coisa: a JMJ cansou-nos muito, esgotou-nos, porque foi um esforço grande e o esgotamento levou-nos a esquecê-la. Fomos de férias e já começámos o ano cansados. Creio que insistimos muito no esforço do evento, que as coisas corressem muito bem, que todos fossem bem acolhidos, e acho que é importante que agora – e dizia isso aos bispos portugueses – isso não aconteça. Descansem, mas retomem aquilo que aqui aconteceu.
7M – Mas o segredo não está na preparação? A Conferência Episcopal Portuguesa decidiu que em Novembro começará a preparar um novo plano pastoral. Isso não deveria ter acontecido há quatro anos?
Sim, o que acontece é que as vezes a vida não dá para mais. Em Madrid, percebi-o. Um evento destes necessita tanta preparação técnica, logística, que muitas vezes não sabemos. Mas o Espírito surpreende-nos sempre. E é curiosamente quando não preparámos muito que há uma resposta muito grande. Eu, nesse aspeto, sou mais prático. Não sei como foi feita a preparação. Em Madrid, sim, fez-se, mas foi num momento complicado, vínhamos de uma mudança de arcebispo…
Agora, temos de aproveitar. Não apenas fazer, mas primeiro escutar o que esta geração de jovens, com a novidade que trazem, têm a dizer-nos. Essa é a voz do Espírito. Se dizemos que o Espírito está a falar aos corações das pessoas, a voz do Espírito está a falar através desta geração. Essa é uma parte muito importante. E também nós, em Madrid, agora não podemos perder-nos, para que não passe Setembro sem convidar os nossos jovens, que vieram da diocese, a que façam uma reflexão, a partir da fé, sobre o que aconteceu aqui, o que viveram aqui. E não uma reflexão simplesmente afetiva, mas uma reflexão desde a Palavra de Deus. Temos efetivamente de escutar o que Deus disse através dos jovens, mesmo que às vezes não nos agrade, ou não o entendamos. E creio que o êxito da JMJ, além da alegria do encontro, é dizer: “E agora, estes jovens que se reuniram aqui, o que têm a dizer à Igreja?”
7M – Então parece-lhe que a JMJ continua a ter lugar na Igreja, continua a fazer sentido?
O que sei é uma coisa: nos arredores de Madrid, grande cidade europeia, temos todos os anos festivais massivos de três e quatro dias com jovens, que fazem tudo para poder ir ver artistas nacionais e internacionais, não cristãos. É uma forma de reunião. Que a JMJ capte, desde há muito tempo, essa necessidade dos jovens de se juntarem em grandes eventos e o transforme… Não seja simplesmente a música, mas também reflexão, valorizar o encontro… Parece-me que isso é uma possibilidade tremenda que temos.
Cada vez vem mais gente à JMJ! O que significa que aquilo que começou por ser um encontro, agora é uma fórmula de congregação da gente jovem. A nossa habilidade é, por um lado, fazer com que não seja simplesmente evento, ou seja: que não seja simplesmente um ato e já está, mas primeiro saber os jovens que chegam – o que chegam em processo acompanhá-los no processo e os que chegam de novo abrir-lhes as portas da Igreja. Por outro lado, escutar o que é que os jovens têm a dizer através desse encontro. Que não fique simplesmente para eles, mas ouçamos o que está a dizer esta geração de jovens à Igreja de hoje, o que está a pedir e do que necessita.

7M – O Papa soube fazer isso?
Sim, o Papa estabeleceu uma ligação com os jovens e foi muito claro. Creio que está a passar uma mensagem de abertura e de acolhimento a toda a Igreja. O facto de, logo na cerimónia de acolhimento, ter repetido como um mantra “Aqui cabemos todos, esta Igreja é uma Igreja para todos” fez com que estabelecesse, desde logo, essa ligação. Parece-me que é a pastoral das grandes encíclicas, da Fratelli Tutti, da Laudato Si’, que temos de pôr em prática.
7M – Mas muitos destes jovens não leram as encíclicas…
Não, mas viveram a JMJ, foram às catequeses, onde falámos de ecologia integral, desenvolvimento humano e misericórdia e compreenderam-no… Atualmente, não podemos chegar aos jovens e dar-lhes um livro para que leiam, estão habituados à rapidez do Instagram… E o Papa o que lhes deu foi uma mensagem muito clara: “Tu tens um sítio na Igreja, com as tuas feridas.” E captou, não apenas os que estão, mas também os jovens que estão à procura. E temos uma geração de jovens muito feridos, vimos de uma pandemia, não o esqueçamos… Uma pandemia que fez com que esses jovens estivessem dois anos metidos nas suas casas e relacionando-se de uma forma diferente. De repente, o Papa diz: “tu tens sítio aqui, não penses que não, esta é a tua casa.”
7M – E essa mensagem é para os jovens ou também para alguns bispos e para toda a Igreja?
É para toda a Igreja. Na JMJ, a mensagem é dirigida aos jovens, mas a partir dos jovens é lançada a toda a Igreja. Mas a mensagem é a mesma.
7M – Há algumas tensões que subsistem… Por exemplo, sabemos que há muitos jovens africanos que não puderam vir porque participar na JMJ é demasiado caro para eles, ou que aquilo que um grupo de católicos LGBT propôs para o programa oficial da Jornada não foi aceite… Mesmo o encontro com outras confissões religiosas só foi incluído no programa à última hora. Como ultrapassá-las?
Creio que, em primeiro lugar, é preciso aceitar as tensões. Um evento com as características da JMJ não pode resolver todos os problemas que há neste momento na Igreja. A tensão entre a Igreja do Sul e a Igreja europeia não está resolvida, a tensão africana não está resolvida, e a tensão de aproximação a grupos diversos estamos a dar passos para resolvê-la.
Pessoalmente, não espero que um acontecimento destes resolva tensões, porque são necessários processos mais longos. Seria um engano pensar que isso se soluciona com um ato em determinado momento, porque não solucionaríamos o problema. Também é verdade que é bom que conheçamos essas tensões e venham para a luz. Mas também é verdade que não há tempo e espaço para tudo nestes seis dias. O Papa e a Igreja aproximam-se de muitos grupos durante todo o ano, não só aqui.
Em Espanha, também sentimos, quando a JMJ é fora da Europa, essa tensão, porque fica muito caro e a maior parte dos jovens não pode ir. Então, o que fazer? Financiar dois ou três para que vão ou organizar uma Jornada local com todos? O que é melhor? Não sei! Efetivamente, uma JMJ implica um investimento grande, e nós vimo-lo em Madrid. E vimos agora que tivemos jovens de Madrid que não puderam vir a Lisboa, apesar da proximidade… É injusto? Sim! Tentamos que as paróquias se mobilizem e o maior número possível possa vir? Sim. Se mesmo assim houve gente que não pôde vir? Também.

7M – Diz-se que o Papa está a pensar mudar um pouco o modelo da JMJ… Podemos passar a ter jornadas por continentes, por exemplo?
Possivelmente… A JMJ não é um dogma! Vai mudando e creio que tem de mudar. Também a juventude vai mudando. De JMJ mais catequéticas, onde a palavra tinha um peso muito grande, passámos agora a ter JMJ onde a música tem um peso muito forte…
7M – Há alguma outra coisa que, para si, poderia mudar já, para a próxima?
Creio que desenvolveria o sistema de escuta dos jovens e provocaria que os jovens, diversos, se escutassem entre si. Entre os lugares de onde vêm, e entre os diversos continentes… antes e durante a Jornada. Acho que é isso que os jovens estão a pedir. Porque os jovens têm tendência a encerrar-se no seu círculo de conhecidos e teríamos de potenciar que se escutem na diversidade.
7M – Podemos levar a dimensão da escuta também à dimensão da escuta política? Porque atualmente vivemos tempos de forte confronto político. Pode uma JMJ ou a Igreja no sentido mais lato, ajudar a ultrapassar isso?
Creio que esta geração vive isso de forma diferente. As feridas passadas, que em Espanha continuam presentes, existem. Mas está a haver uma transição, e isso viu-se nestes jovens que estiveram na JMJ. Mas efetivamente em Espanha e no resto da Europa a polarização ideológica transita e vive com muita força.
7M – E não há também uma pastoral ideológica, por vezes, na Igreja?
Mais que uma pastoral, há uma manipulação da Igreja para que responda a interesses ideológicos. Há interesses muito variados, económicos, internacionais… Quer-se instrumentalizar a Igreja para ganhar votos, para reafirmar posições, e às vezes os jovens caem nisso. Nós temos uma experiência muito bonita que se fez também em Madrid, de poder sentar jovens de todo o espectro político. E quando falaram, disseram-nos uma coisa: que a polarização às vezes era uma imposição, exigem-lhes que se polarizem. Há que ter em conta que determinadas influências podem exercer uma tirania da ideologia e podem querer manipular os jovens. E outras vezes é verdade que setores da Igreja se abandonam em ideologias e isso perverte sempre a Igreja. A Igreja que se ideologiza nunca, na História, avançou.

7M – Foi nomeado arcebispo e cardeal numa semana. Como recebeu as notícias?
Pensei que era uma anedota. Já a nomeação de arcebispo me custou um pouco, mas tive uns 10 ou 15 dias para o assumir. Com carinho, porque a minha diocese é a que conheço. Também com um pouco de responsabilidade e de medo. E a de cardeal ainda nem a processei…
7M – Como soube?
Pensei mesmo que era anedota e que os meus amigos a tinham preparado muito bem, até imitando a voz do Papa… [risos] Ligaram-me da [rádio] COPE de Roma, às 12h20, eu estava preparado para celebrar uma missa. Desejaram-me felicidades e eu perguntei porquê. Disseram que o Papa me acabara de nomear cardeal e puseram-me a ouvir o áudio. Aí pensei que pelos vistos ia ser cardeal.
Fui celebrar a missa e nem sei o que estava pensando. Já falei depois com o Papa…
7M – O que quer dizer o Papa com essa dupla nomeação?
O Papa é um valente. Tem as ideias claras, tem um perfil claro, vai vendo e apostando. Para nós é uma responsabilidade enorme e um desafio, e desse modo o assumimos.
7M – E que lhe disse ele, quando falaram?
Disse-me que isto aconteceria mais tarde ou mais cedo e que assim era preferível fazer tudo junto. Falei com ele pouco depois da nomeação, fui a Roma, para lhe pedir que me explicasse alguma coisa…
7M – Em Março, teremos eleições na Conferência Episcopal Espanhola. A presidência voltará a Madrid?
São pastas nas quais estou entrando agora. A Conferência Episcopal Espanhola [CEE] é muito livre e tranquila. Teremos novo presidente, mas também teremos de assentar com todas as mudanças que tivemos. Quando eu entrei na Conferência há cinco anos, os mais novos sentávamo-nos em cima [no auditório que serve de sala para o plenário da CEE]. Em muito pouco tempo, fomos descendo e os que éramos os mais jovens já estamos mais abaixo, porque há gente nova a chegar.
Isto também desenha um novo perfil na conferência, que temos de estudar. Temos agora um tempo e teremos de falar entre nós.