Padre, antifascista e académico

Luís Moita morreu aos 83 anos: “Nós existimos uns por causa dos outros”

| 28 Jan 2023

Luís Moita na sua “Última Lição”, em Julho de 2019: “Nós existimos uns por causa dos outros.” Foto © Departamento de Comunicaçao da UAL

 

Luís Moita, professor universitário e investigador de relações internacionais e dos temas da guerra e da paz, morreu em Lisboa neste sábado, 28 de Janeiro, aos 83 anos – anunciou a Universidade Autónoma de Lisboa, instituição onde foi vice-reitor entre 1992 e 2009. Em 2019, quando proferiu a sua “última lição”, falou sobre a relação e afirmou: “Nós existimos uns por causa dos outros.” O velório decorrerá na Igreja de Santa Isabel na segunda-feira, 30, sendo o funeral realizado na terça – as horas só serão confirmadas neste domingo.

“Foi um democrata e um lutador pela justiça social, militante pela igualdade e pelas liberdades do nosso e de todos os Povos”, disse o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, numa nota publicada na página oficial da Presidência.

Nascido em Lisboa, em 11 de agosto de 1939, Luís Moita frequentou a Escola Primária de Alcanena e o Liceu Camões (Lisboa), de onde foi para o seminário de Almada e Seminário Maior dos Olivais. Ordenado padre, fez a licenciatura em Teologia na Universidade Gregoriana, e o doutoramento em Ética, na Universidade Lateranense (ambas em Roma, Itália), em 1967, com a classificação summa cum laude.

 

“Torturas e espancamentos”

Luís Moita, libertação, 25 Abril 1974, Estado Novo, Ditadura, tortura

Imagem da libertação de Luís Moita da prisão de Caixas, na noite de 26 Abril 1974. Imagem de vídeo da RTP

 

Regressado a Lisboa, foi ainda na qualidade de padre do Patriarcado que esteve na organização da vigília na Igreja de São Domingos (1968), em Lisboa, contra a guerra colonial [ver 7MARGENS].

Nesse mesmo período, foi um dos dinamizadores de um encontro de padres no Entroncamento enquadrado nas redes da oposição católica ao Estado Novo. E em 1972, já depois de abandonar o ministério (no ano anterior), foi também um dos organizadores da vigília na Capela do Rato (Lisboa) em oposição à guerra colonial.

Foi preso meses depois por causa das suas actividades contra a guerra colonial e o regime ditatorial, sendo libertado na noite de 26 de Abril de 1974. Sofreu “torturas e espancamentos”, como o próprio afirmou à saída, como se pode ver num vídeo da reportagem da RTP (a partir dos 13’08”).

É precisamente “aquele fantástico filme da saída dos últimos presos de Caxias” que o embaixador Francisco Seixas da Costa evoca numa publicação na sua página no Facebook: “surge por ali a cara sorridente e confiante de um homem alto, com ar determinado, a caminhar para a liberdade por que tanto tinha lutado. É o Luís Moita“.

No texto, hoje retomado mas escrito inicialmente em Outubro último, Seixas da Costa acrescenta que Luís Moita teve “uma admirável coerência e grande dignidade”, que se dedicou “a algumas causas que entendeu como nobres e necessárias” e esteve sempre “do lado certo da História, com aquele sorriso bom e o seu modo suave e amável de estar com os outros, o que o torna apreciado e respeitado em insuspeitados quadrantes”.

Luís Moita foi fundador e dirigente do CIDAC, Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral, entre 1974 e 1989. A Ética e as relações internacionais seriam as áreas a que, depois, dedicaria grande parte da sua actividade.

Pilar da Universidade e “pilar das nossas vidas”

Luís Moita

Luís Moita na sua “Última Lição”, em Julho de 2019: um notável contributo” para a excelência do ensino e da investigação, Foto © Departamento de Comunicaçao da UAL

 

Era um dos “pilares” da Universidade Autónoma, escreveu o reitor desta instituição, José Amado da Silva, numa nota publicada na página da UAL, a propósito da sua morte, que deixa a universidade “mais pobre e de luto”. “A melhor homenagem que a Autónoma pode fazer ao Professor Luis Moita é honrar a sua memória, continuando o combate por uma Universidade aberta ao Mundo, tendo sempre a Ética como fundamento de toda a ação. Tentaremos.”, escreveu o actual reitor da Autónoma, José Amado da Silva, na página da instituição.

No Facebook, José Manuel Pureza, professor universitário e dirigente do Bloco de Esquerda, escreveu: “A vida do Luís Moita foi uma fonte. Os tantos e tantas que com ele aprendemos o que é ser gente decente e arrojada perdemos hoje um pilar da nossa vida.”

Na Universidade Autónoma, Luís Moita coordenou o Instituto Sócrates para a Formação Contínua, dirigiu a unidade de investigação Observare – Observatório de Relações Exteriores, coordenou o Janus – Anuário de Relações Internacionais. No ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, foi o responsável pelo mestrado em Estudos da Paz e da Guerra e leccionou a cadeira de Globalização e Relações Internacionais de África no mestrado e doutoramento em Estudos Africanos.

Moita leccionou ainda no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa (1989-1997), foi professor convidado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (até Outubro de 1998), conferencista regular do Curso de Defesa Nacional promovido pelo Instituto de Defesa Nacional (desde 1998) e docente (2004-07) no Instituto de Altos Estudos da Força Aérea e no Curso de Estado-maior Conjunto do Instituto de Estudos Superiores Militares (2006-2011).

Foi condecorado pelo Presidente da República Jorge Sampaio com a Grande Cruz da Ordem da Liberdade em 10 de Junho de 1998. Em 7 de Janeiro de 2005, o Presidente italiano, Carlo Ciampi, atribui-lhe a medalha de Grande Oficial da Ordine della Stella della Solidarietá Italiana, refere ainda a nota de pesar da Universidade.

Numa outra mensagem, António de Lencastre Bernardo, presidente do Conselho de Administração da Entidade Instituidora da Universidade Autónoma de Lisboa, agradece o “notável contributo” de Luís Moita “para a excelência do ensino, da investigação, e o prestígio que conferiu no seu percurso brilhante que muito contribuiu para a afirmação da Universidade”.

Na sua última lição, em 11 de Julho de 2019, Brígida Brito, docente da UAL e membro da direcção do Observare – Observatório de Relações Exteriores, recordou a “extrema capacidade” do seu antigo professor para “ouvir e compreender, negociar e ceder”, bem como o seu “enorme sorriso” quando chegava a cada aula, “cumprimentando com grande cordialidade e uma atitude informal e leve” que “cativou de imediato” os alunos.

Luís Moita, que dedicou ao tema da relação essa última lição, afirmou, dirigindo-se aos que o escutavam: “Até posso inverter a lógica: o nós é igual ao eu + tu. Há uma anterioridade do plural sobre o singular: antes de sermos indivíduos, somos participantes de uma comunidade que nos faz ser nós próprios”. E acrescentou, como o 7MARGENS contou na altura: “A minha convicção é sobretudo esta: que nós existimos uns por causa dos outros. É o tecido das nossas relações que nos constitui como pessoas.”

 

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