
Luís Moita na sua “Última Lição”, em Julho de 2019: “Nós existimos uns por causa dos outros.” Foto © Departamento de Comunicaçao da UAL
Luís Moita, professor universitário e investigador de relações internacionais e dos temas da guerra e da paz, morreu em Lisboa neste sábado, 28 de Janeiro, aos 83 anos – anunciou a Universidade Autónoma de Lisboa, instituição onde foi vice-reitor entre 1992 e 2009. Em 2019, quando proferiu a sua “última lição”, falou sobre a relação e afirmou: “Nós existimos uns por causa dos outros.” O velório decorrerá na Igreja de Santa Isabel na segunda-feira, 30, sendo o funeral realizado na terça – as horas só serão confirmadas neste domingo.
“Foi um democrata e um lutador pela justiça social, militante pela igualdade e pelas liberdades do nosso e de todos os Povos”, disse o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, numa nota publicada na página oficial da Presidência.
Nascido em Lisboa, em 11 de agosto de 1939, Luís Moita frequentou a Escola Primária de Alcanena e o Liceu Camões (Lisboa), de onde foi para o seminário de Almada e Seminário Maior dos Olivais. Ordenado padre, fez a licenciatura em Teologia na Universidade Gregoriana, e o doutoramento em Ética, na Universidade Lateranense (ambas em Roma, Itália), em 1967, com a classificação summa cum laude.
“Torturas e espancamentos”

Imagem da libertação de Luís Moita da prisão de Caixas, na noite de 26 Abril 1974. Imagem de vídeo da RTP
Regressado a Lisboa, foi ainda na qualidade de padre do Patriarcado que esteve na organização da vigília na Igreja de São Domingos (1968), em Lisboa, contra a guerra colonial [ver 7MARGENS].
Nesse mesmo período, foi um dos dinamizadores de um encontro de padres no Entroncamento enquadrado nas redes da oposição católica ao Estado Novo. E em 1972, já depois de abandonar o ministério (no ano anterior), foi também um dos organizadores da vigília na Capela do Rato (Lisboa) em oposição à guerra colonial.
Foi preso meses depois por causa das suas actividades contra a guerra colonial e o regime ditatorial, sendo libertado na noite de 26 de Abril de 1974. Sofreu “torturas e espancamentos”, como o próprio afirmou à saída, como se pode ver num vídeo da reportagem da RTP (a partir dos 13’08”).
É precisamente “aquele fantástico filme da saída dos últimos presos de Caxias” que o embaixador Francisco Seixas da Costa evoca numa publicação na sua página no Facebook: “surge por ali a cara sorridente e confiante de um homem alto, com ar determinado, a caminhar para a liberdade por que tanto tinha lutado. É o Luís Moita“.
No texto, hoje retomado mas escrito inicialmente em Outubro último, Seixas da Costa acrescenta que Luís Moita teve “uma admirável coerência e grande dignidade”, que se dedicou “a algumas causas que entendeu como nobres e necessárias” e esteve sempre “do lado certo da História, com aquele sorriso bom e o seu modo suave e amável de estar com os outros, o que o torna apreciado e respeitado em insuspeitados quadrantes”.
Luís Moita foi fundador e dirigente do CIDAC, Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral, entre 1974 e 1989. A Ética e as relações internacionais seriam as áreas a que, depois, dedicaria grande parte da sua actividade.
Pilar da Universidade e “pilar das nossas vidas”

Luís Moita na sua “Última Lição”, em Julho de 2019: um notável contributo” para a excelência do ensino e da investigação, Foto © Departamento de Comunicaçao da UAL
Era um dos “pilares” da Universidade Autónoma, escreveu o reitor desta instituição, José Amado da Silva, numa nota publicada na página da UAL, a propósito da sua morte, que deixa a universidade “mais pobre e de luto”. “A melhor homenagem que a Autónoma pode fazer ao Professor Luis Moita é honrar a sua memória, continuando o combate por uma Universidade aberta ao Mundo, tendo sempre a Ética como fundamento de toda a ação. Tentaremos.”, escreveu o actual reitor da Autónoma, José Amado da Silva, na página da instituição.
No Facebook, José Manuel Pureza, professor universitário e dirigente do Bloco de Esquerda, escreveu: “A vida do Luís Moita foi uma fonte. Os tantos e tantas que com ele aprendemos o que é ser gente decente e arrojada perdemos hoje um pilar da nossa vida.”
Na Universidade Autónoma, Luís Moita coordenou o Instituto Sócrates para a Formação Contínua, dirigiu a unidade de investigação Observare – Observatório de Relações Exteriores, coordenou o Janus – Anuário de Relações Internacionais. No ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, foi o responsável pelo mestrado em Estudos da Paz e da Guerra e leccionou a cadeira de Globalização e Relações Internacionais de África no mestrado e doutoramento em Estudos Africanos.
Moita leccionou ainda no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa (1989-1997), foi professor convidado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (até Outubro de 1998), conferencista regular do Curso de Defesa Nacional promovido pelo Instituto de Defesa Nacional (desde 1998) e docente (2004-07) no Instituto de Altos Estudos da Força Aérea e no Curso de Estado-maior Conjunto do Instituto de Estudos Superiores Militares (2006-2011).
Foi condecorado pelo Presidente da República Jorge Sampaio com a Grande Cruz da Ordem da Liberdade em 10 de Junho de 1998. Em 7 de Janeiro de 2005, o Presidente italiano, Carlo Ciampi, atribui-lhe a medalha de Grande Oficial da Ordine della Stella della Solidarietá Italiana, refere ainda a nota de pesar da Universidade.
Numa outra mensagem, António de Lencastre Bernardo, presidente do Conselho de Administração da Entidade Instituidora da Universidade Autónoma de Lisboa, agradece o “notável contributo” de Luís Moita “para a excelência do ensino, da investigação, e o prestígio que conferiu no seu percurso brilhante que muito contribuiu para a afirmação da Universidade”.
Na sua última lição, em 11 de Julho de 2019, Brígida Brito, docente da UAL e membro da direcção do Observare – Observatório de Relações Exteriores, recordou a “extrema capacidade” do seu antigo professor para “ouvir e compreender, negociar e ceder”, bem como o seu “enorme sorriso” quando chegava a cada aula, “cumprimentando com grande cordialidade e uma atitude informal e leve” que “cativou de imediato” os alunos.
Luís Moita, que dedicou ao tema da relação essa última lição, afirmou, dirigindo-se aos que o escutavam: “Até posso inverter a lógica: o nós é igual ao eu + tu. Há uma anterioridade do plural sobre o singular: antes de sermos indivíduos, somos participantes de uma comunidade que nos faz ser nós próprios”. E acrescentou, como o 7MARGENS contou na altura: “A minha convicção é sobretudo esta: que nós existimos uns por causa dos outros. É o tecido das nossas relações que nos constitui como pessoas.”