
Oração de Taizé na Igreja de São Domingos: uma experiência que quer assumir as dores pessoais e as dores do mundo. Foto © António Marujo/7MARGENS.
Falam por si as imagens e gráficos que o austríaco Walter Baier, presidente do Partido da Esquerda Europeia (PEE), mostra a esta meia centena de jovens participantes da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em Lisboa: os glaciares dos Himalaias estão a derreter dez vezes mais rápido do que nos últimos sete séculos; as forças militares são a principal causa da destruição ambiental – só as forças dos EUA são responsáveis por 56 milhões de toneladas de emissões de CO2 por ano, o equivalente a um país como Portugal ou a Suécia; o número das pessoas muito pobres (que vivem com menos de dois euros por dia) chega já aos 720 milhões, cerca de 9,2% da população de todo o mundo.
A sessão com Walter Baier, promovida pela Dialop – Rede de diálogo entre cristãos e marxistas impulsionada pelo Papa Francisco – foi uma das múltiplas iniciativas que, durante esta semana de Jornada Mundial da Juventude, encheu Lisboa de debates, concertos, encontros, orações, exposições. Ou até um enorme encontro promovido por um líder evangélico no Estádio da Luz e um encontro de “influenciadores” católicos das redes sociais. Mas, provavelmente, foi a música que ficou a ganhar na lista incontável de iniciativas do Festival da Juventude na JMJ.
Muitas vezes, a música ligada à oração. Como foi o caso de Taizé, a comunidade ecuménica de monges da Borgonha (França), que reúne membros de diferentes confissões religiosas e tem desde há décadas uma grande capacidade de acolhimento das gerações mais jovens. O cenário repetiu-se nesta semana de JMJ em Lisboa, com a igreja de São Domingos sempre cheia, três vezes por dia, e a proposta de uma oração que inclui cânticos meditativos, silêncios, textos bíblicos e curtas reflexões.
Na última oração, o irmão Aloïs, ainda prior da comunidade (será substituído pelo irmão Matthew em 3 de Dezembro, início do Advento), anunciou o encontro Together (“Juntos”) que terá lugar entre 29 de Setembro e 1 de Outubro, em Roma, e que inclui uma vigília ecuménica com o Papa Francisco. “Estão todos convidados”, disse aos jovens que enchiam a igreja da Baixa, onde permanecem as marcas do incêndio de 1959. Se não, “podem fazer a mesma oração em qualquer lugar”, acrescentou.
As orações de Taizé terminavam com a uma oração à volta da cruz: com um ícone do crucifixo colocado no chão, os jovens são convidados a “entregar a Jesus tudo o que é demasiado pesado para cada pessoa, para a sua vida pessoal e também do mundo”.
“Uma nova arquitectura de paz”

O peso do mundo: precisamente o que se falou, de forma mais política, no debate da Dialop, da qual faz parte também o ex-deputado bloquista José Manuel Pureza. Walter Baier, 69 anos, não esconde a sua admiração pela personalidade e pensamento do Papa, defendendo a colaboração entre cristãos e socialistas na resolução dos problemas mais graves do planeta e das populações. Dá o exemplo das políticas de segurança e de estrangeiros, que “devem ser reapropriadas pelas pessoas”. Tal como é muito importante conseguir um cessar-fogo na Ucrânia, “de modo a prevenir mais vítimas e escaladas na guerra”.
“Precisamos de uma nova arquitectura de paz, conseguindo novos acordos para reduzir o armamento”, defende o político europeu, recordando os acordos entre os Estados Unidos e a então União Soviética nas décadas de 1980-90, e que permitiram atingir essa meta de reduzir o arsenal nuclear. Baier deseja que cresça, nos países europeus, que pressione os governos a ratificar acordos de redução de armamento.
Ao 7MARGENS, o líder do PEE diz que o que importa a cristãos e socialistas “é acabar com o sofrimento dos povos”. O Papa Francisco tem feito isso, diz Baier, que admira “o que os cristãos fazem no campo social” e “o ensino do Papa Francisco”.
Zbynék Kozmik, 18 anos, vem da República Checa mas tem também ascendência ucraniana. Coloca o essencial de um processo de diálogo entre cristãos e socialistas no objectivo de resolver os problemas da sociedade – como é agora o caso da guerra. Não acredita que as coias fiquem piores, mas admite que vive uma região ameaçada: “Estamos na OTAN, é um desastre se a guerra se agravar.”

Na sua intervenção, Walter Baier afirmara que nem a pobreza nem os problemas ambientais serão resolvidos com a guerra – pelo contrário, só se agravarão. Citando excertos da encíclica Fratelli Tutti, do Papa Francisco, Baier recordava a imensa capacidade de destruição nuclear que existe no mundo, para perguntar: “Uma vez destruído o planeta, o que sobra?” E recorda: “O armamento mata não só quando é usado, mas também porque retira dinheiro para outras coisas e destrói o ambiente”.
Luciana Rodriguez, 23, vem da Colômbia, onde estuda jornalismo e conflito. “Pareceu-me interessante, num contexto católico, falar do diálogo com sectores diferentes. Convivemos na mesma sociedade, é preciso chegar a consensos sobre os problemas importantes”, diz.
Ao lado de Zbynék e Luciana, Lia Rodriguez, 26 anos, igualmente colombiana a trabalhar na área de marketing hoteleiro, valoriza também o debate em que participa: “É importante falarmos, ver como se estão a resolver problemas em diferentes sítios do mundo e como estes processos podem favorecer a busca de acordos políticos.”
De política era o que se falava na exposição sobre os 50 anos da vigília da Capela do Rato, e os 55 anos de idêntica iniciativa na Igreja de São Domingos – a mesma onde a comunidade de Taizé se encontrou para rezar com os jovens nestes dias. A mostra já tinha estado patente nesses dois espaços, como o 7MARGENS referiu na altura do aniversário desses acontecimentos.
“A adesão às visitas não foi massiva, mas foi particularmente interessante”, diz ao 7MARGENS a historiadora Maria Inácia Rezola, comissária das Comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril, responsável pela iniciativa, em jeito de balanço da iniciativa. “A maioria dos visitantes apareceu sem inscrição prévia, integrando, sobretudo, a visita à exposição ‘A Paz é possível’ – sobre a vigília da Capela do Rato. “Logo no primeiro dia, constituíram-se vários grupos que acompanharam com interesse, e inúmeras perguntas, a história da Vigília da Capela do Rato e da oposição católica à Guerra Colonial. A situação repetiu-se nos dias seguintes, sendo notório o interesse por descobrir algo mais sobre a história do país que os acolhia.”
“Um património espiritual que vem de Francisco de Assis”

A ecologia, as migrações e a paz, outros grandes temas que também apareceram em várias iniciativas deste dia da JMJ, são também o centro das preocupações do Movimento Laudato Si’ e da rede Justiça, Paz e Integridade da Criação (JPIC), dos Franciscanos. Daniel Rodriguez Blanco, salvadorenho de 43 anos, director da Ordem dos Frades Menores para a JPIC, que esteve em Lisboa com mais de 700 pessoas ligadas à ordem e à Juventude Franciscana.
A rede JPIC nasceu em 1980, na sequência das preocupações manifestadas pelo Concílio Vaticano II com os problemas da justiça e da paz. Nessa década, juntou-se a dimensão da ecologia, com o nome de integridade da criação, tendo em conta a inspiração bíblica. “Trata-se de um património espiritual que vem de Francisco de Assis”, que João Paulo II declarou patrono dos ambientalistas, explica aquele responsável.
Com o tempo, outras questões sociais se lhe juntaram; e, apesar de muitas comunidades dos frades menores terem trabalho com migrantes, não havia trabalho em rede, o que surgiu em 2018 com a criação da JPIC. Em Julho de 2021, no último capítulo da Ordem, os franciscanos deram um novo passo, decidindo abraçar a causa dos migrantes na América Latina – é um continente que vive a realidade migratória, explica frei Daniel. E, actualmente, também no Mediterrâneo a rede começa a actuar.
Os migrantes, a justiça e a paz estão, actualmente, ligados: há franciscanos a trabalhar estes temas na Terra Santa, em Istambul, em Veneza e em Assis, em centros animados pelos franciscanos. E só no tema dos migrantes há já 14 comunidades em diferentes países da bacia mediterrânica, incluindo Marrocos e Malta – e já houve até um franciscano preso por resgatar pessoas no Mediterrâneo.
“O Papa Francisco faz-nos ver isso”, diz frei Daniel, que trabalha actualmente em Roma, no governo geral da Ordem dos Frades Menores. As encíclicas sobre a casa comum (Laudato Si’) e sobre a fraternidade (Fratelli Tutti) “não são dois temas separados, são duas faces da mesma moeda”. Tal como Francisco de Assis: “homem, cristão, que encontra Deus na sua criação, mas também nos marginais, nos leprosos, nos muçulmanos e em todos os que são excluídos”, diz ainda o responsável franciscano.
A presença na JMJ foi importante, diz frei Daniel, porque “esta geração de jovens terá mais consciência do cuidado da casa comum – é ela que irá viver as consequências das alterações climáticas”. Isso já está a despertar a sensibilidade de muitos e esta geração vai dar-se conta de que é preciso fazer algo, acrescenta. E a coordenação da rede JPIC dos franciscanos com o Movimento Laudato Si é “uma expressão de uma geração muito ligada ao cuidado com a casa comum”.
Em Lisboa, sucederam-se nesta semana iniciativas junto à Igreja de Santo António: orações ecológicas, murais pela paz, eucaristias “Laudato Si’” – para dar conta de como a liturgia está profundamente arreigada na Criação e que o cosmos e a natureza sempre estiveram de mãos dadas com a expressão religiosa, ao longo da história.
A guerra, enfim, para voltar ao início. “O cristianismo é a religião da paz, do débil, dos fracos, da fragilidade”, diz frei Daniel. “Há que estar convencidos de que o cristianismo não poderá vencer a guerra. O cristianismo tem muita força, mas não tem o poder. Por isso, deve ser a consciência do mundo para a paz.”