
Cerimónia de acolhimento ao Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, cujo tema também se centrava na encíclica Laudato Si’. Foto © Sebastião Roxo/JMJ Lisboa 2023.
“Estou a escrever uma segunda parte da [encíclica] ‘Laudato Si‘ para atualizar os problemas atuais.” A informação saltou esta segunda feira, 21 de agosto, em primeira mão, da boca do Papa Francisco quando introduziu um improviso no discurso que fazia a uma delegação de advogados dos países membros do Conselho da Europa.
Posteriormente o diretor da Sala de Imprensa do Vaticano, Matteo Bruni, adiantou que se trata de uma Carta que pretende abordar, em particular as recentes manifestações da crise climática.
A audiência que o Papa estava, na altura, a conceder relacionava-se com as responsabilidades dos países subscritores do Apelo de Viena. Este documento, refere o Vatican News, pede aos estados membros do Conselho da Europa que se comprometam com o estado de direito e a independência da justiça, entendendo o Papa que o Apelo se insere no atual contexto europeu, difícil em muitos aspetos, “como a guerra sem sentido no território da Ucrânia”.
Francisco avançou, a este propósito, que “uma Europa que já não é capaz de se abrir para a dimensão transcendente da vida é uma Europa que corre lentamente o risco de perder a sua alma e também aquele ‘espírito humanista’ que ela ama e defende”.
Durante a audiência, o Pontífice expressou o seu apreço pelo compromisso com a elaboração de um marco regulatório em prol da proteção do meio ambiente, sublinhando: “Nunca devemos esquecer que as novas gerações têm o direito de receber de nós um mundo bonito e habitável, e que isso nos investe de sérios deveres para com a criação que recebemos das mãos generosas de Deus.”
A encíclica Laudato Si’, dedicada ao “cuidado da casa comum”, foi publicada em 18 de junho de 2015, com data de 24 de maio do mesmo ano, dia da Festa de Pentecostes. O título refere-se ao início do Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis.
O Pontífice, que se sentiu inspirado pelo nome deste santo a ponto de o adotar, diz, logo no primeiro ponto da encíclica: “Neste gracioso cântico, [São Francisco] recordava-nos que a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços: «Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras.”
Mas dava logo a seguir o tom das suas inquietações: “Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la.”
Poucos dias depois de publicada a encíclica, o Papa explicou o seu alcance numa sessão organizada pelo efeito, cujas palavras o site Vatican News agora recordou:
“Esta cultura de cuidado com o meio ambiente não é apenas uma atitude – digo no verdadeiro sentido da palavra – “verde”, não é uma atitude “verde”, é muito mais. Cuidar do meio ambiente significa ter uma atitude de ecologia humana. Por outras palavras, não podemos dizer que a pessoa está aqui e a criação e o ambiente estão acolá. A ecologia é total, é humana. E é isso que quis exprimir na encíclica Laudato si‘: que o homem não pode ser separado do resto; existe uma relação que tem um impacto recíproco, tanto do ambiente sobre a pessoa como da pessoa na forma como trata o ambiente; e também o efeito de reflexo contra humanos quando o meio ambiente é abusado.”
Trata-se, por isso, nas palavras de Francisco, não de uma “encíclica ‘verde’” mas de uma “encíclica social”, porque, explica ele, “na sociedade, na vida social do homem, não nos podemos desleixar no cuidado com o meio ambiente. Além disso, o cuidado com o meio ambiente é uma atitude social, que nos socializa, de uma forma ou de outra — cada um pode dar o valor que quiser — por outro lado, faz-nos receber — gosto da expressão italiana, quando falam de o meio ambiente — da Criação, daquilo que nos foi dado de presente, ou seja, o meio ambiente”.
Depreende-se, pelos elementos dados a conhecer, que a Carta em que o Papa trabalha não é, evidentemente, uma encíclica, nem será, tecnicamente, uma continuação, mas provavelmente um desenvolvimento que irá de encontro a “problemas atuais”, como referiu o Papa, ligados com o ambiente e a crise climática, mas no sentido sociopolítico de uma “ecologia humana” e “integral” que a partir da Laudato Si’ tem vindo a propor.