Foi por causa do presépio do último Natal que esta ideia nasceu: um presépio (o nascimento) no centro do do mundo e do globo, a nossa casa comum. Foi isso que a paróquia de Valongo do Vouga (Águeda, diocese de Aveiro) quis marcar com essa proposta, depois retomada em cada um dos domingos da Quaresma, entre Fevereiro e Abril. Uma reflexão animada por Manuel José Marques, que fez o curso de animador Laudato Si’, do Movimento com o mesmo nome da encíclica do Papa Francisco sobre o cuidado da casa comum e que o 7MARGENS publica a propósito e durante a Semana Laudato Si’, iniciada neste domingo, 21, como forma também de desafiar outros grupos, comunidades e paróquias a debater a encíclica do Papa e agir em favor da Criação e da casa comum. Este é o texto correspondente ao I Domingo da Quaresma (26/Fevereiro).

O globo da Laudato Si’ no adro da Igreja de São Pedro de Valongo do Vouga: “Estarmos dispostos a mudar o nosso modo de vida é, na verdade, um novo tipo de cruz, que podemos abraçar com alegria.” Foto: Direitos reservados.
Em 2015, o Papa Francisco publicou uma carta, à qual chamou Encíclica Laudato Sí’, que foi dirigida a todas as pessoas habitantes neste planeta. Surpreendemo-nos! Sim, é uma carta dirigida a cada um de nós. É uma carta que manifesta uma enorme preocupação com o planeta e com o cuidado que devemos ter com o mesmo, a nossa casa comum, tal como ele refere. É um documento notável, riquíssimo de informação, de reflexões que procuram desde logo sensibilizar a nossa consciência convidando-nos a reduzir o nosso impacto ambiental.
Na Laudato Sí’, o Papa Francisco inspira-nos, lembrando-nos da nossa vocação de proteger a obra de Deus. Ele diz: “Viver a vocação de guardiões da obra de Deus não é algo de opcional nem um aspecto secundário da experiência cristã, mas parte essencial duma existência virtuosa” (LS 217). O Papa Francisco lembra-nos que todos podemos fazer alguma coisa para resolver os problemas do mundo, que cada um de nós tem um papel a desempenhar usando os nossos dons e talentos.
“A crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior. Isto exige reconhecer os próprios erros, pecados, vícios, ou negligências, e arrepender-se do coração, mudar a partir de dentro” (LS, 217-218). Por exemplo, sabemos que a tecnologia baseada nos combustíveis fósseis – altamente poluentes, sobretudo o carvão mas também o petróleo e, em menor medida, o gás – devem ser, progressivamente e sem demora, substituídos.” (LS 165).
Estamos, pois, perante um desafio urgente, que nos deve levar sobretudo ao compromisso de responder à ameaça de um colapso climático total e à perda devastadora das diferentes formas de vida.
Sem dúvida, todos temos as nossas próprias responsabilidades imediatas: família, trabalho, escola, doenças, tristezas e tantos outros emaranhados da vida, que nos fazem correr de um compromisso para o outro, por vezes sofregamente, indiferentes e cegamente agarrados ao nosso próprio eu. E estarmos dispostos a mudar o nosso modo de vida, a maneira como aquecemos e iluminamos as nossas casas, viajamos, construímos, plantamos, jardinamos, vestimos, divertimos e até fazemos compras e comemos, são pedidos enormes. Na verdade, um novo tipo de cruz. Mas esta é uma cruz que podemos abraçar com alegria e, sem dúvida, também com alguma dor quando deixamos para trás velhas formas de ser.
A alegria pode vir à medida que trabalhamos com Jesus, dedicados nas nossas comunidades a criar uma nova e transformada casa comum, onde possa haver alimentos para todos, onde povos indígenas possam viver nas suas terras, onde se possa reverter as condições inóspitas criadas por fenómenos climáticos extremos que obrigam comunidades a se deslocarem, que nos possamos alegrar com a alegria dessas gentes, onde se possa respirar ar puro e todos possam ter água potável e saudável, e, claro, onde a natureza e todas as criaturas de Deus possam prosperar.
Na mesma encíclica, o Papa diz-nos “para nunca subestimar o poder das pequenas acções, aquelas coisas que fazemos na nossa vida diária em nossa casa, escolas e paróquias para tentar viver de forma mais sustentável, para caminhar mais suavemente nesta terra. Essas pequenas acções têm um efeito cascata em toda a comunidade e podem-se tornar experiências de graça. Elas testemunham uma visão mais abrangente para o nosso mundo”.
Assim, aceitando esse convite e apelo, na nossa comunidade iremos ter oportunidade de saber como repensar algumas acções do nosso estilo de vida, de como agir de forma prática para melhorar os nossos relacionamentos com a terra e uns com os outros, abraçando o mundo, abraçando-nos a nós mesmos.
Manuel José Marques é animador de encontros sobre a encíclica Laudato Si’ na paróquia de Valongo do Vouga (Águeda)